19/05/2004 - 10:00
Iraque
Na adolescência, o americano de Filadélfia Nicholas Berg adorava ciência. Aos 26 anos, o jovem viu no Iraque sua oportunidade de lucrar com a venda de antenas. Nicholas acreditava que a queda de Saddam Hussein traria a democracia. No lugar da democracia, Nicholas encontrou a morte. O aventureiro viajou ao Iraque duas vezes no ano passado, quando conseguiu vender alguns aparelhos. Em março deste ano, embarcou novamente para o país em busca de trabalho. Mas não voltou. Foi preso pelos iraquianos, entregue às tropas americanas e interrogado pelo FBI. Segundo a coalizão, ele teria sido solto no dia 6 de abril. Três dias depois, faria seu último contato com a família. Nicholas foi reaparecer em um vídeo horripilante divulgado na internet que conta passo a passo seu trágico assassinato. Ele foi degolado com uma faca por terroristas em vingança pelos maus-tratos sofridos pelos prisioneiros iraquianos em Abu Ghraib. A CIA afirma que o homem no vídeo ao lado de Nicholas é Abu Musab al-Zarqwi, integrante da al-Qaeda e um dos mais procurados pelo governo americano. Ou seja, os temidos membros da al-Qaeda perambulam pelo Iraque. Lá, o diabo anda solto e nesse inferno baixou o secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld.
Olho por olho Terroristas da
al-Qaeda assassinam Nicholas
Berg em vingança pelas torturas
na prisão de Abu Ghraib
Rumsfeld quis mostrar na quinta-feira 13, em sua visita surpresa à prisão de Abu Ghraib, que os horrores da guerra serão estancados com a devida punição. Ele foi também tentar confortar os soldados americanos nesse mundo de sangue. Mas, como o secretário de Defesa mesmo já havia avisado, o pior viria. E veio. Nas 1.600 fotografias de torturas analisadas pelos parlamentares americanos, não param de surgir imagens que mancham o coração da América. “Há cenas horríveis. Eu me senti descendo ao inferno, e, infelizmente, essa é a nossa criação”, afirmou o senador democrata Richard Durbin. Apesar do Departamento de Defesa estar fazendo uma ampla investigação sobre os abusos no Iraque, há indícios de que o processo esteja putrificado desde sua raiz. Em entrevista à tevê ABC, Margaret e Rafael Chaiken disseram que, nas aulas de treinamentos, realizadas pelas Forças Armadas dos EUA em Fort Huachuca, eles foram ensinados a burlar a Convenção de Genebra (1949). Eles ainda afirmaram que as fotos dos maus-tratos no Iraque são clássicos exemplos de como se faz um prisioneiro falar. “Um dos instrutores nos mostrou como fazer uma pessoa ajoelhar de maneira que ela sinta dor”, afirmou Rafael.
Segundo a general Janis Karpinski, ex-responsável pela prisão Abu Ghraib no Iraque, quando os abusos ocorreram, ela foi contra ceder o controle da prisão a oficiais da inteligência. Janis Karpinski coloca no epicentro do escândalo o general Ricardo Sanchez, chefe das tropas no Iraque, e o general Geoffrey Miller, ex-responsável pela detenção de 600 suspeitos de terrorismo na base naval americana na baía de Guantánamo, em Cuba. As fotos de prisioneiros algemados ou encarcerados em jaulas, sujeitos às intempéries do tempo, já haviam chamado a atenção a respeito de como a administração Bush tratava seus prisioneiros de guerra acusados de terrorismo. O próprio Rumsfeld defendeu na época que a Convenção de Genebra não seria aplicada em Guantánamo. “Combatentes ilegítimos não têm nenhum direito sob a Convenção de Genebra”, afirmou ele na época, referindo-se aos homens da rede terrorista al-Qaeda e do regime Taleban – deposto pelos americanos na guerra do Afeganistão.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), o mesmo que havia alertado
o governo Bush sobre os horrores em Abu Ghraib, fez novo relatório sobre Guantánamo. O documento confidencial entregue ao Departamento de Estado
é em protesto contra as condições dos detentos e avisa que a situação na baía
de Cuba é “crítica”. O padrão humanitário do maior país democrático do mundo novamente está em jogo. E, se forem levados em conta os constantes alertas
de selvageria nas prisões, quem sabe uma nova descida ao mundo de Hades poderá ser evitada.