Pallocci: a tarefa agora é convencer o mercado de que aperto com ternura não é
gastança disfarçada

Há dez dias, o governo conseguiu conquistar uma vitória que parecia impossível: convencer o Fundo Monetário Internacional (FMI) a estudar alternativas que compatibilizem responsabilidade fiscal com a urgente necessidade de fazer investimentos que estimulem o crescimento econômico. Anunciada imediatamente com entusiasmo pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci, a idéia é liberar alguns bilhões retidos no resultado positivo que o governo brasileiro é obrigado a produzir para pagar uma parte da sua dívida interna e destiná-los a investimentos na área de infra-estrutura. Mas, diante da péssima recepção do anúncio junto ao conservador mercado financeiro, que viu a medida como uma tentativa brasileira de escapar do aperto fiscal, o governo percebeu que tem pela frente uma nova batalha: a de convencer que aperto com ternura é diferente de gastança disfarçada. A tática para enfrentar o problema provocou nova divisão na equipe econômica. Temendo interpretações alarmistas, Palocci tirou o assunto da lista de prioridades. Não vai pressionar o Fundo para que a coisa ande rápido
nem quer falar muito sobre o tema. Já o colega do Planejamento continua
investindo na implementação do projeto piloto ainda neste ano. Na semana passada o ministro Guido Mantega fez questão de discutir a mudança no cálculo do superávit com a missão do FMI encarregada de examinar as contas brasileiras para a sétima revisão trimestral do acordo. Mas em uma coisa os dois ministros concordam: ninguém quer passar a perna no compromisso com o superávit fiscal de 4,5% do PIB, nem a nova contabilidade terá poderes para isso. “Tudo será feito com transparência. Não abrimos mão do compromisso com o ajuste fiscal”, garante o ministro do Planejamento.

A nova briga é apenas mais uma face dos mesmos problemas: a penúria do orçamento interno e a dependência brasileira de recurso externo para fechar
suas contas. Nesse cenário mutante e instável, a equipe econômica passou uma semana vivendo um dia de cada vez, alternando vitórias e derrotas. Na terça-feira 4, veio o alívio, sob a batuta do maestro da economia americana, Alan Greespan, presidente do FED, o Banco Central dos Estados Unidos. Por alguns dias, ele manteve o suspense – e os países emergentes, principalmente – nas mãos. Sobe ou não sobe a taxa de juros americana, de 1% ao ano, mantida por 11 meses seguidos? Subiram, então, as cortinas para o todo-poderoso dizer que a taxa será mantida no menor patamar em 46 anos. O risco Brasil recuou 3,7% (para 675 pontos), a Bovespa teve alta de 1,42% e o dólar fechou em baixa de 0,37%. Acabou o show, veio a realidade. “Os próximos meses continuarão presenciando grande volatilidade nos mercados emergentes, que deverão oscilar a cada resultado daquele país”, analisam os profissionais da GlobalInvest, empresa de consultoria econômica. Isso significa que os investidores internacionais, loucos por juros altos e economias que não ofereçam grandes riscos, estão em alerta. Assim que a taxa de juros americana subir, eles voam para os Estados Unidos, deixando países como o Brasil, o chamado mercado emergente.

O preço da dependência externa não esperou muito para tumultuar a vida das economias periféricas. Novas notícias sobre o aquecimento da economia americana somadas à disparada no preço do barril do petróleo fizeram tremer as Bolsas de todo o planeta e imergiram os emergentes no sufoco novamente na quinta-feira 6. No Brasil, um outro ingrediente azedou ainda mais o quadro: a derrota do governo no Congresso. Na quinta-feira 6, a Bovespa caiu 4,17% e o risco-país disparou, com alta de 8% em um só dia. A instabilidade no mercado externo, os juros internos em baixa e as quedas nos preços das ações acabaram produzindo uma outra má notícia no Brasil: em abril foi registrada a maior fuga de recursos dos fundos de investimento de renda fixa desde setembro de 2002 – R$ 1,5 bilhão. Como se sabe, a saída desenfreada de investidores dos fundos provoca uma superoferta de papéis do governo (os bancos têm que vendê-los às pressas para fazer dinheiro e pagar os cotistas) e prejuízo aos cotistas que permanecem nos fundos. Na semana que passou, alguns fundos chegaram a apresentar rentabilidade negativa. Outros, com medo de afugentar clientes, não estariam cumprindo as normas de contabilidade da CVM escondendo os maus resultados. O Tesouro Nacional entrou como bombeiro. Numa operação para acalmar o mercado, comprou R$ 1 bilhão em papéis de prazo longo, os mais enjeitados. Alcançou o objetivo, mas o resultado da operação é ruim para as contas públicas: encurta os prazos de vencimento da dívida interna.

Na agenda federal, um novo embate na próxima semana. O ministro Guido
Mantega fez sua última proposta de reajuste salarial ao funcionalismo público
e deu um ultimato: quem não aceitar a oferta até o dia 21 ficará com o salário congelado. Os sindicalistas reagiram: “Vamos parar o Brasil e a Esplanada, como nunca aconteceu antes”, advertiu Gilberto Gomes, diretor da Confederação Nacional dos Servidores Públicos Federais. A boa notícia partiu dos agentes da Polícia Federal, que, depois de 58 dias parados, suspenderam a greve por três dias na esperança de retomar as negociações com o Ministério da Justiça. A semana foi cansativa em alguns momentos. Mas, dentro do governo, sabe-se que as dores de cabeça econômicas minguarão quando as taxas de crescimento voltarem a mostrar musculatura. O chato é a espera.