José Cruz/ABR

Afinados: Rosinha e Lula reunidos para acertar a cooperação: clima de expectativa

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, finalmente, decidiu enviar homens das Forças Armadas para reforçar o combate ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Os detalhes da operação serão acertados, na segunda-feira 10, entre a governadora Rosinha Matheus, o secretário Anthony Garotinho (Segurança Pública) e os ministros da Defesa, José Viegas, da Articulação Política, Aldo Rebelo, e da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Viegas, que anunciou o reforço, não esclareceu se as ações serão ostensivas ou limitadas ao apoio de inteligência e investigação. O pedido de ajuda foi feito pela governadora, que na quarta-feira 5 recebeu, no Palácio Guanabara, os comandantes regionais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

É a sétima vez que os militares desembarcam no Estado desde a conferência Rio-92. Diferentemente das ocasiões anteriores, quando foram recebidas na condição de salvadores da pátria, as Forças Armadas chegam na berlinda, com o desvio de armas de suas unidades sob intensa investigação. O assalto a um quartel da Aeronáutica em Bonsucesso, na segunda-feira 3, assustou o País. Os assaltantes renderam e torturaram os soldados para roubar 22 fuzis HK 33 e muita munição. A cena da fuga foi mambembe: numa Kombi velha roubada do quartel. “Este episódio foi vergonhoso e a segurança dos quartéis não pode ficar entregue a soldados jovens”, aponta o brigadeiro Mauro Gandra, ex-integrante do Alto-Comando da Aeronáutica. No mesmo dia, a polícia achou na favela da Vila Vintém um paiol do tráfico com dez fuzis, sendo seis de uso exclusivo das Forças Armadas, cinco granadas, dois lança-rojões e mais de 8 mil projéteis. No dia seguinte, a Aeronáutica admitiu ter comprado os lotes dos quais faziam parte as 161 granadas apreendidas duas semanas antes na Favela da Coréia, junto com oito minas terrestres. “Em 100% dos casos de invasão ou desvio de armas dos quartéis há envolvimento de militares”, disse o promotor Aílton José da Silva, do Ministério Público Militar.

Paradoxo – A relação entre as Forças Armadas e o combate ao crime no Rio é paradoxal. As pesquisas apontam cariocas e fluminenses como amplamente favoráveis à ação, mas crescem os argumentos e as evidências de que o poder bélico do tráfico tem tudo a ver com o excesso de unidades militares na antiga capital. O secretário de Segurança, Anthony Garotinho, vê neste fenômeno o motivo principal da dimensão do armamento do narcotráfico. O cientista político Antonio Carlos Peixoto, da Uerj, faz coro e sugere: “Parte deste grande efetivo deve ser deslocado, especialmente para a Amazônia.” Para Peixoto, “o crime organizado já atinge as instituições estaduais, federais e as próprias Forças Armadas”. O cientista político Clóvis Brigagão, da Universidade Cândido Mendes, acha que “a concentração de tropas no Rio deveria ser reavaliada por uma política nacional de Defesa, da qual o País ainda carece”.

A idéia de desconcentrar as tropas enfrenta um sério obstáculo, o mesmo que deixa os quartéis do Rio vulneráveis: a falta de recursos. O Exército está transferindo os 800 homens da 2ª Brigada de Infantaria, de Niterói, para São Gabriel da Cachoeira, na Amazônia. Os gastos são estratosféricos para um Exército com recursos bem abaixo de suas necessidades estratégicas. “Cada mudança dessas exige a construção de um novo quartel”, ressalta o general Carlos Eduardo Jansen, primeiro-comandante da 16ª Brigada de Infantaria de Selva, de Teffé. Para o general, o novo reforço militar no Rio deve incluir ações no maciço da Tijuca, cercado de favelas e em cujas trilhas os traficantes se deslocam. Jansen coordenou o único esquema de segurança que reduziu o índice de violência na cidade, o da Rio-92.

A necessidade de proteger com mais eficiência os quartéis não é a única medida urgente das Forças Armadas para interromper os desvios que alimentam os arsenais da bandidagem. O governo está de olho nos fabricantes de armas e munições. Quando as Forças Armadas encomendam um lote de armas, a fábrica produz 10% a mais. A sobra serve para substituições e para pesquisar eventuais defeitos em série. Depois de cinco anos, o estoque extra deve ser destruído, sob o controle das Forças Armadas. O problema é que a fiscalização é frouxa, abrindo caminho para a corrupção e o desvio de armas.

A decisão de enviar as tropas foi tomada depois de muitas discussões entre os governos federal e estadual. A polêmica começou na última guerra entre traficantes na Rocinha, que deixou 12 mortos no mês passado. O Planalto ofereceu apoio e a governadora pediu quatro mil homens. A reivindicação foi rechaçada porque os soldados ficariam sob o comando estadual. O pedido foi reformulado e as operações ficarão com o Comando Militar do Leste. Ao bater o martelo, o presidente entrou em sintonia com o desejo dos moradores do Rio. Para a população, o importante é combater, com todas as armas da legalidade, o maior flagelo do Estado. Ao governo cabe ficar em estado de alerta máximo para que o narcotráfico, forte e audacioso, não consiga corromper as tropas federais – reduzindo ainda mais a distância entre o Brasil e países em constante risco institucional, como a Colômbia.