02/10/2002 - 10:00
Na história da Aids, um mistério desafiava os cientistas havia muito tempo. Eles queriam saber por que alguns indivíduos infectados pelo HIV, o vírus responsável pela doença, não desenvolviam a enfermidade. Ou seja, não tinham seu sistema de defesa fragilizado e, por isso mesmo, não ficavam vulneráveis às infecções oportunistas. Na semana passada, uma equipe de pesquisadores do Centro de Pesquisa em Aids Aaron Diamond, de Nova York, nos Estados Unidos, anunciou uma descoberta que parece ajudar a responder o fenômeno. Os cientistas descobriram que o organismo dessas pessoas possui grande quantidade de um grupo de proteínas que impede o HIV de se multiplicar dentro do corpo.
A pesquisa sobre a capacidade natural de alguns indivíduos de se protegerem contra o HIV sempre recebeu muita atenção. Nas várias investigações feitas a respeito do assunto, os cientistas haviam descoberto que o sistema imunológico dessas pessoas produzia um número elevado de moléculas com ação antiviral. Agora, a equipe do Aaron Diamond revelou que proteínas chamadas alpha-defensinas
1, 2 e 3 parecem contribuir de forma fundamental para que essas moléculas impeçam a replicação do HIV. “Já se conhecia o efeito antibacteriano dessas proteínas, mas é a primeira vez que elas são associadas ao poder anti-HIV”, explica David Ho, responsável pelo laboratório onde os estudos foram conduzidos.
Para chegar à constatação da importância das proteínas, os pesquisadores analisaram material colhido de indivíduos não
infectados, de pacientes soropositivos que manifestavam sinais
da doença e de pessoas que, embora contaminadas, permaneciam saudáveis. As substâncias foram encontradas em todos os voluntários saudáveis e também naqueles nos quais a doença não progrediu.
E para confirmar o papel das alpha-defensinas, os cientistas as
retiraram das células. Imediatamente, as estruturas perderam sua capacidade de lutar contra o HIV.
A descoberta, publicada na última edição da revista Science, foi comemorada pelos especialistas. “É um passo importante para entendermos como o corpo se defende do HIV”, afirmou Linqi Zhang, coordenador do estudo. “Esse achado pode ser um conceito valioso
para avançarmos no conhecimento da doença”, disse aqui no Brasil
o infectologista David Salomão Lewi, professor da Universidade Federal
de São Paulo. De fato, a identificação das proteínas junta mais uma
peça no quebra-cabeça da Aids. No entanto, os médicos ainda não sabem se a descoberta é a resposta definitiva para esclarecer o mistério. “A pesquisa é interessante, mas não sei se resolve o problema. precisamos ver se outras substâncias também contribuem para a ação anti-HIV das moléculas”, pondera o infectologista David Uip, da Faculdade de Medicina do ABC, na Grande São Paulo.
O médico também é cauteloso quanto à utilização prática da informação, pelo menos por enquanto. “É importante saber como transformar essa descoberta em algo utilizável”, afirma Uip. De qualquer modo, a expectativa é de que o achado ajude no desenvolvimento de novos medicamentos que utilizem as proteínas como agentes protetores contra o vírus. “Compreendendo como o sistema de defesa de algumas pessoas controla a infecção pelo HIV, podemos ser capazes de criar tratamentos para tirar vantagem desse fenômeno”, acredita Zhang. No Brasil, o infectologista Ricardo Diaz, da Universidade Federal de São Paulo, também aposta no uso terapêutico dessa novidade. “A criação de drogas contra a Aids está ocorrendo com muita rapidez”, argumenta. Por isso, é possível imaginar que poderemos ter num futuro não tão distante mais uma saída para vencer o vírus.