Como manda a tradição americana, o professor Coleman Silk tinha tudo para virar nome do principal edifício da Faculdade de Athena ao se aposentar, após décadas de impecável trajetória acadêmica. Aos 70 anos, acabou massacrado pelo levante puritano que se seguiu às estripulias do então presidente Bill Clinton com a estagiária Monica Lewinsky no Salão Oval da Casa Branca. A trágica reviravolta na vida do professor começou com uma pergunta sobre dois alunos que jamais haviam aparecido nas aulas. “Alguém conhece essas pessoas? Elas existem mesmo ou será que são spooks?”, questionara, referindo-se a “espectro”. Àquela altura, Silk nem se lembrava de que a expressão também podia ser uma forma ofensiva de tratar os negros. Para azar seu, os estudantes faltosos eram negros. A distorção do episódio e a implacável perseguição a Silk por causa da expressão são a tônica da magistral narrativa do escritor Philip Roth no romance A marca humana (Companhia das Letras, 454 págs, R$ 43). Como se não bastasse a acusação de racismo, paira sobre o professor a suspeita de abuso
sexual contra uma faxineira, com metade de sua idade.

Dono de especial talento em usar temas atuais como pretexto para dissecar a cultura americana, Roth recorre ao alter ego Nathan Zuckerman, narrador de outras obras suas, para colocar em xeque a histeria dos princípios politicamente corretos que vigoram em seu país. A mancha do esperma de Clinton no vestido de Monica inspira o título da obra, que encerra a chamada trilogia americana do escritor, inaugurada no final dos anos 90 com Pastoral americana e Casei com uma comunista. O detalhe mais curioso de A marca humana é a própria origem racial do professor. Apresentado originalmente como um judeu branco, ele, na verdade, é um homem de pele clara que renegara a
família negra 50 anos antes, ao entrar para a Marinha.