Figurinha carimbada da crítica literária nacional, a escritora cearense Ana Miranda pode se considerar uma privilegiada. Seus livros sempre chegam às prateleiras com a chancela dos descolados
de plantão, conseguindo a façanha de agradar a gregos, troianos
e brasileiros em geral. E não é
para menos. Em seus trabalhos,
é fácil ao leitor se deixar levar
pelos enredos que a autora desenvolve com invejável capacidade e mão firme. Dias & Dias (Companhia das Letras, 243 págs., R$ 29,50) não é exceção. Com orelha perpetrada por ninguém menos que o bibliófilo José Mindlin, a obra captura de mansinho a atenção do leitor, que se vê constrangido a nivelar a correria do dia-a-dia ao ritmo suave – mas nunca tedioso –
da narrativa. Um remédio e tanto contra o stress urbano.

A obra trata da paixão eterna de uma jovem pelo poeta Antônio Gonçalves Dias. E mostra como uma paixão pode sobreviver a
décadas de silêncio sem esmorecer, mas também sem grandes
arroubos que a denunciem. Feliciana, a jovem apaixonada, é moça provinciana, que vive a vidinha mansa das pequenas cidades, muito
longe do burburinho da capital e dos muitos amores do poeta,
cuja trajetória acompanha, atenta e torturadamente, pelos
relatos feitos por uma estratégica contraparente de ambos.

Um dos méritos de Dias & Dias se esconde no fato de Ana Miranda
tê-lo escrito como quem monta uma colcha de retalhos. Trechos de poemas de Gonçalves Dias (“Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá…” é tema recorrente ao longo da obra) e imagens de suas cartas permeiam todo o texto, ajudando a construir uma prosa poética de
bem-sucedida liga. Por isso, muitos dirão que se trata de um livro ideal para mulheres. Puro absurdo. Dias & Dias é, antes de tudo, uma bela
obra de uma autora que a cada dia se mostra mais e melhor.