09/04/2003 - 10:00
O governo federal decidiu endurecer sua guerra santa contra o crime organizado no momento em que a sociedade, acuada pelo terrorismo de narcotraficantes e bandidos, reage a ponto de desfraldar bandeiras xiitas diante do impasse da segurança pública. Numa semana em que o Rio de Janeiro voltou a assumir ares de Bagdá, com tiros e bombas fechando vias expressas, como a avenida Brasil, e acertando alvos como o metrô na zona norte, o Hotel Méridien (Copacabana) e até a estação do bondinho do Corcovado, uma pesquisa feita pelo Instituto GPP, ouvindo 800 moradores da cidade, mostrou que 55,8% dos cariocas são a favor da pena de morte para crimes graves. Outra pesquisa recém-concluída, Violência e Criminalidade no Brasil, encomendada pela Escola Nacional de Magistratura, ouvindo mais
de mil magistrados em todo o País, indicou uma onda conservadora chegando aos tribunais. Quase 30% são a favor da pena de morte
e 57% defendem a redução da imputabilidade penal para 16 anos. Seis em cada dez defendem uma polícia mais “repressiva”, lema também do governo fluminense. Em fevereiro, as mortes em confronto com a polícia subiram de 57 para 111 no Rio, um aumento de 94,7% em relação ao mesmo mês do ano passado.
Um dos efeitos do crescimento da violência urbana é o aumento do contingente dos que defendem uma solução violenta para liquidar com a criminalidade, o velho discurso do “bandido bom é bandido morto”. Não é raro encontrar entre os cariocas adesão a idéias nefastas, como extermínio nos presídios e esquadrões da morte. “Eu analiso pela psicologia de massa. Quando a sociedade diz que quer a morte, está dizendo: eu não aguento mais essa escalada de violência”, avalia a juíza aposentada e deputada federal Denise Frossard (PSDB-RJ), contrária à pena máxima. “No sistema que temos, mataríamos ladrões de galinha e pés-de-chinelo, mas não os verdadeiros criminosos”, aposta. “Uma sociedade assustada é o pior termômetro para as mudanças”, reconhece Cláudio Baudino Maciel, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Mas velhos defensores da pena de morte voltaram a ganhar voz. “O País precisa urgentemente de medidas revolucionárias no sistema de segurança. E a pena de morte é uma delas”, defende o general reformado Nilton Cerqueira, secretário de Segurança Pública no governo Marcel-lo Alencar (1995-98).
De olho nesses sinais, o governo decidiu enfrentar o que criminalistas e magistrados chamam de “impasse humanista” do PT. Ou, nas palavras do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), parafraseando o guerrilheiro Che Guevara, saber “como endurecer, sem perder a ternura”. Aprovado na terça-feira 1º de abril na Câmara, um projeto do governo cria um inédito regime disciplinar diferenciado para presos de alta periculosidade. É inspirado no cárcere de segurança máxima usado pela Itália para cortar os vínculos de mafiosos presos com sua organização. Para isolar chefes do crime organizado, como o traficante Fernandinho Beira-Mar, e evitar que continuem transformando os presídios em filiais de seus negócios ilícitos, o governo admitiu reduzir os direitos individuais da cúpula da bandidagem. As alterações na Lei de Execuções Penais permitem isolar esses presos perigosos em celas individuais por até um ano (o limite hoje é de um mês) e fazer interrogatórios dentro do presídio e transformam em equipamentos obrigatórios detetores de metal nas penitenciárias, inclusive para advogados e juízes. O governo prepara ainda a construção de cinco presídios federais e a criação de um departamento para investigar lavagem de dinheiro. “A derrota do crime organizado está para o governo Lula como o Plano Real esteve para o governo Fernando Henrique”, compara Greenhalgh, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Impasse – Ainda sem um destino definitivo para seu preso mais famoso, o governo está irritado com o jogo de empurra entre os governadores, que não querem um presídio federal dentro de casa, muito menos com Beira-Mar no pacote. A decisão pode sair na segunda-feira 7, quando o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, se reúne em Porto Alegre com os governadores dos 27 Estados. O ministro atribuiu as novas ações criminosas nas ruas do Rio às prisões dos traficantes Jorge Alexandre Cândido Maria, o Sombra, e do chileno Carlos Orlando Messina Vidal, o Gringo, ambos da facção de Fernandinho Beira-Mar. “Esse rapaz foi transformado num pop star”, lamentou Bastos. A transferência do traficante de Alagoas para o Piauí está ameaçada porque a reforma do presídio em Teresina está muito atrasada. O chefe da Casa Civil, José Dirceu, já havia criticado o “comportamento individualista” dos governadores.
Até o secretário Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, parece ter perdido a paciência: “Ou o Brasil se junta contra o crime ou o crime se junta contra o Brasil”, declarou. Todo o sistema penitenciário, segundo o secretário, é refém de uma rede criminosa. “Chefes de quadrilha presos se comunicam até com presídios em outros Estados. O Estado tem todo o direito de cortar esses elos e para isso é preciso adotar excepcionalidades”, justificou Nilmário. “Temos de tomar medidas duras, mas sem sermos carrascos”, concorda o deputado Orlando Fantazini (PT-SP), ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Na aprovação do projeto do Executivo, Fantazini conseguiu aumentar de uma para duas horas por dia o tempo do banho de sol do preso confinado em cela individual. “Vinte e três horas dentro de uma cela, sem sol, seria uma solitária”, compara. Mais exigentes ainda, ativistas de direitos humanos se reúnem na segunda-feira 7, no Rio, para discutir as medidas. Mas avisam que não gostaram: “Como sempre acontece, o Estado não consegue controlar a corrupção e saca essas ditas medidas duras para responder à sociedade. A saída não é por aí”, diz Elizabeth Silveira, presidente do Tortura Nunca Mais no Rio. “Discurso humanista é fundamental, mas o PT no poder não pode ficar paralisado”, rebate Cláudio Maciel, da AMB. “Com o fim da ditadura militar, a esquerda criou uma aversão a todo endurecimento de regime. Sente como se estivesse usando as mesmas armas que condenou. Mas agora não se trata disso, estamos lidando com o crime organizado. O endurecimento é necessário e não significa menos democracia”, prega.
Ex-secretário Nacional Antidrogas e presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, o juiz Wálter Fanganiello Maierovitch defende a apresentação de uma emenda constitucional criando, ao lado dos estados de sítio e de defesa, o estado de emergência para o combate ao crime organizado. “Mudanças na lei de execuções penais vão abrir brecha para alegação de inconstitucionalidade”, argumenta. “As limitações têm de estar amparadas numa emergência constitucional”, explica. Também não adianta endurecer as leis se os juízes não forem mais rigorosos. Quem diz isso é um integrante da magistratura. “O juiz tem de ser mais duro na fixação da pena e dos regimes carcerários. A sociedade está pedindo o fim da proliferação da bandidagem organizada. Não podemos tratar o grande criminoso como Sua Excelência”, afirma o desembargador gaúcho Antônio Guilherme Jardim, diretor da Escola Nacional de Magistratura (ENM). A deputada Denise Frossard concorda que só endurecer as leis não adianta. “Quando temos um presídio como Bangu I, chamado de segurança máxima, mas que é uma piada nacional, de nada adiantam leis severas. Ao contrário, novas regras só criam novos instrumentos de corrupção”, ensina.