30/08/2002 - 10:00
Todas as noites, enquanto os primeiros acordes de O guarani anunciavam o programa A voz do Brasil, um locutor irreverente substituía o blablablá de Brasília por assuntos bem mais interessantes aos moradores do Aglomerado da Serra, uma das maiores favelas de Belo Horizonte. Era o mote para mais uma incômoda interferência da Rádio Favela, emissora pirata criada no início do anos 80 por Misael Avelino dos Santos, cuja história serviu de base para Uma onda no ar (Brasil, 2002), de Helvécio Ratton, em cartaz em São Paulo e Belo Horizonte na sexta-feira 6. Por seu trabalho de prevenção ao tráfico, a Rádio Favela (106,7 FM) ganhou o prêmio Dia Mundial sem Drogas, da ONU, e desde 2000 tem concessão para trabalhar como emissora educativa. Mas até ser reconhecida, foi vítima constante da repressão policial. Sofreu mais de 100 batidas por causa do conteúdo político de sua programação.
É justamente uma destas batidas que abre o filme, quando o locutor Jorge (Alexandre Moreno, melhor ator do 30º Festival de Gramado – Cinema Latino e Brasileiro) vai parar mais uma vez na cadeia. Logo em seguida, ele conta aos companheiros de cela – e aos espectadores – como conseguiu colocar no ar uma emissora que se tornou a verdadeira voz do morro e chegou ao quarto lugar em audiência em Belo Horizonte. Na verdade, o que ele narra é a história de quatro amigos tentando transformar seu cotidiano, que culmina com a ameaça de desmantelamento da rádio.
O episódio acontece quando Jorge responsabiliza a sociedade e a polícia pela entrada das drogas na comunidade. Sua denúncia emocionada se dá depois que o amigo Roque, que havia enveredado pela via fácil do tráfico, é encontrado morto. Realizado em estilo quase documental e a um custo modesto de R$ 1,7 milhão, Uma onda no ar acaba sendo um ótimo contraponto ao perturbador e recém-estreado Cidade de Deus, pois retrata o mesmo tema da exclusão social e da violência. Com a diferença de descortinar um horizonte mais otimista para a situação da periferia ao centrar sua história num personagem consciente e combativo.