Caos: série de bombardeios e cerco à cidade fazem o inferno da população iraquiana, que ainda sofre com abusos das tropas

"Não vou responder a detalhes das perguntas que me foram feitas. Você quer que eu caia numa armadilha”, disse cordialmente a um repórter o presidente americano George W. Bush ao sair do Salão Oval da Casa Branca, onde foi entrevistado na quinta-feira 29 por uma comissão independente sobre o 11 de setembro. Resposta cordial para o foguetório que deve ter acontecido lá dentro quando Bush e seu vice, Dick Cheney, tiveram que explicar à comissão, por exemplo, por que deram pouca atenção às ameaças do al-Qaeda, uma vez que haviam sido informados sobre as possibilidades de ataques em 6 de agosto de 2001. O presidente americano bem que tentou evitar a criação da comissão, mas as famílias das vítimas exigiram o depoimento de Bush, que não pôde ser gravado ou filmado. Tanto o presidente como o vice conseguiram se livrar do juramento. A Casa Branca também proibiu a divulgação das informações, mas a oposição tentará revelar detalhes das declarações antes das eleições presidenciais, em novembro. Bush evitou repetir o que aconteceu com o presidente Bill Clinton no caso Monica Lewinsky, em que teve seu depoimento amplamente divulgado pela imprensa mundial. Além dos cinco republicanos e dos cinco democratas, só puderam participar desse encontro o conselheiro da Casa Branca, Alberto Gonzales e dois funcionários. Se Bush tenta se safar das trapalhadas do 11 de setembro, no Iraque ele está cada vez mais preso em sua própria arapuca.

A cidade de Fallujá, a 50 quilômetros da capital, Bagdá, é o símbolo desse enrosco. São três semanas de cerco e ataques à cidade sunita, com mais de 130 soldados americanos e 600 iraquianos mortos. Os americanos estão literalmente encurralados. “Nossos comandantes militares farão o que for preciso para tomar Fallujá”, disse Bush na quarta-feira 28. Neste mesmo dia, um avião americano AC-130 despejou bombas a oeste da cidade. Outro ataque aéreo já havia acontecido na noite anterior. Nos últimos bombardeios, as famílias deixaram de levar os feridos aos hospitais, temendo que eles fossem presos pelas tropas. O caos é total e dezenas de casas estão sendo destruídas. Para prender um punhado de insurgentes, as forças de ocupação não medem as atitudes. O programa de tevê da emissora americana CBS 60 minutes divulgou imagens de iraquianos sendo torturados pelas tropas dos EUA. As torturas estariam acontecendo na temida prisão Abu Ghraib, nas cercanias de Bagdá, onde o ex-ditador abusava dessa prática com seus opositores. As imagens de prisioneiros com arames enrolados em seus genitais, outros sendo forçados a fazer sexo com seus companheiros e um preso com um palavrão escrito em seu corpo chocaram os telespectadores e levaram à suspensão da responsável pela prisão, a general Janice Karpinski, e dos dez soldados americanos acusados de abusos. Um deles, o sargento Chip Frederick, afirmou que “os soldados nunca foram instruídos em como lidar com os prisioneiros” e que jamais recebeu “uma cópia da Convenção de Genebra”.

Apesar dos bombardeios a Fallujá, a resistência mostra que está longe de ser aniquilada. Os EUA, então, se viram no seguinte dilema. Se deixassem a cidade, poderiam ser acusados pela comunidade internacional de estabelecer o caos e depois fugir da raia. Se ficassem, continuariam enfrentando a ira dos rebeldes sunitas e a impaciência dos soldados que se sentem vulneráveis aos ataques. A solução oferecida pelos mediadores iraquianos aos americanos foi a retirada dos marines de Fallujá para serem substituídos por 1.100 soldados iraquianos. O comandante desta tropa que leva o nome de Exército de Proteção de Fallujá (Fallujah Protection Army- FPA) é um antigo militar do regime de Saddam Hussein, o general Suleiman Salaad. O FPA, como já está sendo chamado, deverá fazer um novo cordão de isolamento na cidade. “O plano é que toda Fallujah fique sob controle do FPA”, afirmou o coronel americano Brennan Byrne que anunciou o acordo.

Mesmo antes do cerco a Fallujá, os iraquianos já desejavam a retirada das tropas invasoras. É o que mostra a pesquisa da CNN/Gallup/ USA Today realizada entre os dias 22 de março e 9 de abril. Antes dos levantes de sunitas que se uniram aos radicais xiitas, 57% dos iraquianos declaravam-se favoráveis à saída imediata das tropas da coalizão. Cerca de 53% afirmaram que o Iraque é hoje mais inseguro do que na era do regime de Saddam. Mas 61% disseram que valeu a pena depor o ditador. O empresário xiita Salam Ahmed dá um panorama preciso da situação. “Não sou mal-agradecido por eles terem deposto Saddam Hussein. Mas o trabalho já foi feito. Muito obrigado e até a próxima. Bye-bye”, disse ele. Bye-bye que deverá demorar para acontecer.