Montagem Roberto Weigand Sobre Foto André Dusek

Tricampeão mundial pela Seleção, bicampeão mundial pelo Santos, autor de 1.281 gols, eleito o Atleta do Século pelo jornal francês L’Équipe. É prudente parar por aqui, pois não haveria espaço para relacionar todos os feitos de Pelé, o mito, em 21 anos de carreira. Destruir esse patrimônio parece uma missão quase impossível. Mas o incrível é que, fora de campo, Edson Arantes do Nascimento, o homem, parece estar tentando, em alguns momentos com um ímpeto espantoso. A noção de limite para o que pode e o que não pode ser feito por Pelé, o mito, parece evaporar da cabeça de Edson, o homem, quando ele tem diante de si uma cláusula contratual garantindo um bom caraminguá. O caso Unicef é apenas um exemplo. Na ocasião, destacaram que o rei gosta de ser visto como o amigo das criancinhas. Boa lembrança.

O empenho de Edson deixou Pelé várias vezes em maus lençóis. A última delas foi recentemente, no deprimente episódio da lista da Fifa. Pelé aceitou como sua uma lista vergonhosa com os “120 melhores jogadores vivos da história”, feita pela Fifa em parceria com agentes para, provavelmente, agradar grandes atletas na ativa e pavimentar caminho para futuros contratos. A primeira versão da coisa trazia apenas 12 jogadores do Brasil pentacampeão mundial, um a menos do que a Itália e a França. Excluía Rivellino, Nilton Santos, Gerson e Tostão – apenas. “Pelé, se eu um dia tive dúvidas sobre quem jogou mais, se você ou Garrincha, agora não tenho mais. Fique aí com a sua listinha”, desabafou Gerson enquanto rasgava a relação. “Acho bom eles nem me convidarem. Vou gargalhar na cara deles. Não preciso de esmola”, disparou Nilton Santos, a Enciclopédia do Futebol, mesmo após ter sido incluído, com Rivellino, na segunda versão do absurdo.

Mesmo no plano pessoal, Edson leva Pelé a se meter em enrascadas que revelam falta de sensibilidade e grandeza. Depois de vários anos de recusa nos tribunais, a Justiça precisou forçá-lo a acatar a paternidade da filha Sandra Regina Machado, que incluiu no nome, por ordem judicial, o Arantes do Nascimento. Até pouco tempo atrás, era processado por ninguém menos do que Dorval, seu companheiro dos tempos célebres do Santos, que o acusou de tê-lo induzido a aceitar um cachê simbólico em troca da liberação de uma foto para uma campanha da Coca-Cola. Pelé teria levado R$ 6 milhões na brincadeira. Merece, é o rei, o gênio, o mito, mas isso não significa que o grande Dorval deva ser humilhado com uma mixaria.

Em 2001, o filme Uma história de futebol, de Paulo Machline, uma das mais belas e carinhosas homenagens já feitas a Pelé, foi indicado ao Oscar de curta-metragem. Acariciada daquele jeito, qualquer pessoa mergulharia na mídia, sozinha ou ao lado dos autores, para festejar a obra. Não foi o que se viu. Edson praticamente ignorou o filme. Muitos desconfiaram de que o rei teria se recolhido para não badalar um filme que não lhe traria lucro. A julgar pelo que disse o português Antônio Gomes da Costa a ISTOÉ há dois anos, Pelé, de forma indireta, chegou a cobrar até mesmo por um autógrafo. Entre 1978 e 1980, o Rei almoçou quase diariamente no restaurante de Costa, o Florença, em Santos. Costa tirou uma foto ao lado do craque e pediu que ele a autografasse. Pretendia pendurá-la na casa. “Ele disse que teria um preço e me mandou procurar seu escritório.” A foto foi para a gaveta.

Outra celebridade, Michael Jackson, destruiu a própria vida num ponto em que, aparentemente, só ele mesmo teria poder para fazer tal coisa. O fato é lembrado
não para comparar os casos de Pelé e Jacko, algo que logicamente seria um absurdo tão grande quando a lista dos 120. A idéia é lembrar a Edson da necessidade de poupar Pelé, porque, como mostra Jackson, não existe reputação impossível de ser destruída.