05/05/2004 - 10:00
Hélio Viana, ex-sócio de Pelé: “O cidadão Edson precisa entender que não está acima do bem e do mal”
Recuperando-se da cirurgia que corrigiu um descolamento de retina no olho esquerdo, Pelé passou os últimos dias tratando da saúde. A operação foi realizada num momento em que o Atleta do Século precisa estar de olhos bem abertos para os novos lances da batalha judicial que há três anos trava contra seu ex-sócio. Na quinta-feira 29, Hélio Viana, que por 20 anos ajudou o empresário Edson Arantes do Nascimento a administrar seus negócios, esteve no Fórum do Rio de Janeiro para pedir a falência da Pelé Sports & Marketing (PSM), uma das empresas pioneiras no marketing esportivo brasileiro. O pedido se deve a empréstimo de R$ 1.259.236,91 que a Klavi Projetos Especiais Ltda., empresa de Viana, concedeu à PSM em dezembro de 1998, mas não foi pago. “Os títulos venceram em dezembro de 2003, foram protestados e mesmo assim a empresa de Pelé não quitou. Não restou alternativa senão propor a falência”, explica Viana. A briga dos dois começou há três anos, quando Pelé acusou Viana de ser o responsável por um calote de R$ 700 mil, que teriam sido arrecadados pela PSM para um jogo com renda destinada ao Unicef – e que não foi realizado. A parceria foi desfeita, dando início a uma briga marcada por denúncias de irregularidades nos negócios da empresa e do próprio Pelé, inclusive com depósitos em paraísos fiscais sem comunicação à Receita Federal. O pedido de falência, algo que parece incompatível com um personagem de fama planetária como Pelé, é o novo round nessa luta.
Problemas: Pelé conversa com o jornalista Roberto Cabrini, da Bandeirantes, ainda com o curativo no olho operado.
Pelas suas contas, Viana teria de receber de Pelé, entre intermediações não pagas e dívidas, cerca de R$ 30 milhões. “Eu jamais ataquei o mito, mas o cidadão Edson precisa entender que não está acima do bem e do mal. O fato de ser Pelé não o isenta das obrigações legais”, justifica-se. Foram os cifrões da dívida não paga pela PSM que levaram Viana a avançar na batalha judicial contra o Atleta do Século. Às 14h11 da quinta-feira-29, ele deu entrada no requerimento de falência, protocolado no fórum com o número 2004.001.049779-8 e distribuído à 8ª Vara Empresarial. “A empresa não foi citada, não tivemos acesso ao processo. Gostaria de me pronunciar somente após tomar conhecimento dos documentos”, objetou o advogado da PSM, Eduardo Schmidt.
O requerimento de falência segue um trâmite simples. O documento vai à apreciação do juiz, que decide se aceita ou não o pedido. Em caso positivo, os administradores da PSM devem ser comunicados e terão 24 horas para pagar a dívida ou depositar em juízo o valor reclamado. Caso o acerto não seja feito, a falência será decretada. A partir de então, os responsáveis pela empresa não poderão deixar o País, deverão fazer a relação de bens a serem leiloados e ficarão impedidos de atuar como titulares em qualquer atividade comercial. Edson Cholby do Nascimento, o Edinho, filho do Rei, recebeu a notícia com indignação. Ele é um dos responsáveis pela administração da PSM. “É mais um fato desagradável, amargo, triste, nessa separação. Tem gente que não se dá conta da maldade que causa. Vamos acionar nosso departamento jurídico para defender os direitos da empresa”, diz o ex-goleiro e empresário.
À época em que a PSM contraiu a dívida com a Klavi, Pelé era ministro extraordinário
de Esportes na gestão Fernando Henrique Cardoso. Nessa condição, por razões
éticas e legais, estava impedido de fazer uma série de negócios à frente de sua empresa. Ao mesmo tempo, vivia o auge de seus desentendimentos com a CBF de Ricardo Teixeira e a Fifa de Joseph Blatter. As confusões dificultavam os negócios da PSM. Com a impossibilidade de utilizar a imagem de seu maior acionista e garoto-propaganda, a empresa começou a apresentar sucessivos prejuízos nos balanços. Hélio Viana resolveu então abrir a Klavi com o objetivo de assumir os negócios que a PSM estava deixando de fazer. O primeiro e um dos únicos contratos fechados foi a comercialização dos direitos de transmissão de tevê da Copa Libertadores da América de 1998. O principal torneio de clubes do continente foi vendido pela Klavi à Rede Globo por US$ 6 milhões.
Com a entrada do dinheiro, Viana começou a socorrer a PSM. A quem estranha ele ter mantido a sociedade na PSM, apesar de injetar dinheiro numa empresa que passava por dificuldades, ele responde: “Tinha interesse em manter a empresa forte, pois acreditava que, quando Pelé deixasse o Ministério, os negócios voltariam ao ritmo normal”, recorda Viana. Não voltaram. Com o rompimento da sociedade provocado pelo escândalo do Unicef, a Klavi ficou com o papagaio no prego. Após inúmeras tentativas de receber o dinheiro, Viana resolveu pedir a falência da PSM.
Fundada em 1991, a Pelé Sports & Marketing foi, durante a década de 90, a principal empresa de marketing esportivo brasileira. Chegou a prestar consultoria para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em projetos sociais na área esportiva. Assessorou os japoneses na formação de sua liga nacional de futebol, atraiu para o Brasil grandes investidores, como o Nations Bank e AIG, dos Estados Unidos, e a ISL, da Suíça. A PSM foi uma das empresas contratadas pelo comitê organizador da Copa de 94, disputada nos Estados Unidos. O projeto da dupla Pelé/Viana era fazer da PSM uma das gigantes do marketing esportivo mundial. O escândalo Unicef soterrou os planos. Depois que o caso veio a público, o Rei do Futebol reduziu as atividades da PSM. O ex-camisa 10 abriu então a Pelé Pró, que tampouco foi para a frente. Um dos seus sócios, o médico Renato Duprat, dono da falida empresa de saúde Unicor, teve problemas com a Justiça e acabou deixando a sociedade. Diante de tantos problemas, Edinho resolveu assumir a administração dos negócios do pai.
Desvio – Dos processos que tramitam na Justiça emergem novas denúncias. Em uma de suas petições, Viana afirma que vários contratos firmados por ele, que deveriam ter sido pagos à PSM, tiveram a renda encaminhada para a empresa Leros Limited, com sede nas Bahamas. O texto informa que foram depositados ali US$ 12 milhões da Mastercard International, US$ 5 milhões do canal PSN, US$ 3,6 milhões da Umbro International e US$ 1,2 milhão da Nokia. “Os valores obtidos (…) deveriam, então, estar figurando na conta da Pelé Ltda.”, informa o texto. Segundo admite seu advogado, Arnaldo Blaichman, Pelé é o dono da empresa Leros. A ser verdade o que afirma
Viana em sua petição, o ex-jogador teria cometido crime de sonegação fiscal, já que os US$ 22 milhões depositados na Leros não foram declarados à Receita no Brasil.
Entre os 12 processos movidos por Viana contra Pelé, um deles sintetiza o nível
de animosidade que cerca os ex-parceiros comerciais. Segundo Viana, seu computador pessoal teria sido roubado de sua mesa e levado para os escritórios
de Pelé. O empresário entrou com uma ação de reintegração de posse da máquina. Para provar que o equipamento era de propriedade da empresa do Atleta do Século, funcionários da PSM teriam forjado uma nota fiscal fria de uma empresa baiana de produtos de informática. De acordo com Viana, a tal firma é fantasma. O caso aguarda decisão judicial.
Enquanto o cidadão Edson Arantes do Nascimento passa por apuros e constrangimentos legais, o mito Pelé segue inabalável. O Brasil acompanhou com interesse a recuperação da cirurgia feita no olho esquerdo do Rei, que apareceu de tapa-olho numa entrevista a Roberto Cabrini, da Rede Bandeirantes. Outra prova do prestígio foi o anúncio de que será o primeiro a carregar a tocha olímpica durante a passagem do símbolo pelo Rio de Janeiro. No que depender do filho Edinho, a partir de agora a vida do pai será assim. Chega de negócios, confusões e tribunais. “Não quero que meu pai trabalhe mais. Ele já teve bastante dor de cabeça na vida empresarial.” Espera-se que Pelé siga os conselhos do filho.