05/05/2004 - 10:00
Depois de seis reuniões que ultrapassaram mais de 20 horas de discussão, envolvendo os principais ministros do presidente Lula, e uma dura queda-de-braço com a equipe econômica, o governo adiou para um dia no futuro a promessa de iniciar um compromisso de campanha: dobrar o valor real do salário mínimo até 2006. O reajuste de pouco mais de R$ 20, anunciado na quinta-feira 29, corresponde a um aumento real de R$ 4. A decisão em que pesou mais as contas públicas do que o poder aquisitivo da classe trabalhadora abriu uma guerra entre a oposição, petistas históricos e o Palácio do Planalto. O imbróglio vai parar no Congresso, onde já se articula a mudança de valor. Para parlamentares petistas como o senador Paulo Paim (RS) e o deputado Chico Alencar (RJ), um mínimo de
R$ 260 reais ?é frustrante? e ?fere fundo? o compromisso histórico do PT de distribuição de riqueza e renda. Segundo Paim, que já defende a formação de uma comissão mista para estudar mudança na medida provisória do governo, ?é possível apontar fontes de recursos e estabelecer um mínimo em torno dos US$ 100?.
Ricardo Berzoini, ministro do Trabalho: ?O reajuste é o máximo de esforço que o governo poderia fazer sem prejudicar o Orçamento?
Apesar de os petistas assegurarem que a decisão,
em favor de milhões de brasileiros, de aumentar o mínimo não se trata de uma rebelião, as declarações de Alencar dão o tom da indignação: ?Esse número mostra a força máxima da equipe econômica, ultraortodoxa e sem sensibilidade social.? A oposição não deixou por menos. Para o vice-líder do PSDB na Câmara, deputado Walter Feldman (SP), o novo mínimo é do tamanho do governo, ?pequeno, insuficiente, produtor de desesperança.? Até
aliados de peso, como o senador José Sarney
(PMDB-AP), admitiram a possibilidade de o
Legislativo rever o valor.
Os ministros do Trabalho, Ricardo Berzoini, e do Planejamento, Guido Mantega, saíram na defesa do governo. Berzoini ressaltou que o reajuste de pouco mais de 1,21% acima da inflação obedeceu ?à responsabilidade orçamentária e atende a uma orientação expressa do presidente Lula. É o máximo de esforço que o governo poderia fazer?, afirmou, destacando que o Executivo procurou reforçar a renda familiar ao garantir um aumento real de 42% para o salário-família, que passou de R$ 13,48 para R$ 20. O argumento de Berzoini foi o mesmo usado pelos analistas Felipe Illanes e David Beker, ambos do Merrill Lynch. ?A iniciativa causaria um impacto fiscal menor, uma vez que seis milhões de pessoas ganham o benefício familiar contra os 14 milhões que recebem salário mínimo?, afirmaram.
Paulo Paim, senador (PT-RS): ?É possível apontar fontes de recursos e estabelecer um mínimo em torno dos US$ 100?
Segundo os cálculos oficiais, o novo salário provocará um custo adicional de R$ 650 milhões, além dos R$ 3,8 bilhões já reservados no Orçamento para corrigir o mínimo apenas pela inflação. Cada real de reajuste a mais custaria ao governo R$ 160 milhões. As centrais sindicais não aceitaram os argumentos. O presidente da CUT, Luiz Marinho, bateu forte. ?A decisão foi um erro gravíssimo. Na nossa visão, quanto maior o salário mínimo, mais rápido o impacto sobre a economia.? O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, que defendia um salário de R$ 320, seguiu os passos de Marinho e atacou: ?O governo tem sido benevolente com os banqueiros e maldoso com os trabalhadores. Um aumento de R$ 20 é uma vergonha.? Já o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Armando Monteiro, apoiou o reajuste. ?Não se pode botar a estabilidade em risco, porque quando isso acontece quem paga a conta da inflação alta é o trabalhador,? afirmou. No meio do tiroteio, Lula desabafou, ainda durante a reunião: ?Eu gostaria de dar mais. Mas de onde tirar o dinheiro? Se alguém tiver uma idéia, aceito sugestões.?
Emprego urgente ? Além de todo o debate em torno do salário mínimo, o governo Lula está tendo que enfrentar uma outra crise, que se acirra. A revelação feita, na terça-feira 27, pelo IBGE, de que um contingente de 2,725 milhões de pessoas estava à procura de emprego em março (número 8,1% maior que o de fevereiro) tornou a situação mais preocupante para o governo e desesperadora para os que estão atrás de trabalho. Caiu o emprego na indústria (-2,1%), caiu na construção (-0,3%) e só se manteve estável no comércio. A renda subiu 1,4% em relação ao mês anterior, o que não significa nada diante da queda de -2,4% que representa diante do mesmo mês de 2003. O presidente Lula não foi perdoado nem no berço de sua liderança, o ABC paulista. Ao visitar a DaimlerChrysler, na segunda-feira 26, enfrentou protestos de cerca de seis mil funcionários que estavam no pátio da empresa, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Chegou a ouvir vaias. Poucas, mas simbólicas.
Tamanha foi a pressão que lá mesmo ele admitiu falhas no programa do
Primeiro Emprego, lançado em 30 de junho de 2003 como uma das prioridades
do governo. O fato é que até março, quase um ano depois, haveria apenas um premiado com o primeiro emprego, o baiano Renison Santos Freire, 21 anos, encontrado pelo jornal Folha de S. Paulo em março. O governo chiou, disse que
o programa criou, até aquela data, 500 empregos. Muito distante do delírio eleitoral das 250 mil vagas num ano.
Na verdade, a crise é muito maior do que mostram os números oficiais, já que
os dados do IBGE se referem apenas à população economicamente ativa das seis principais regiões metropolitanas. Considerando todo País e os subempregados, calcula-se que o total supere os 12 milhões. Aí se inclui o chamado trabalho precarizado, que cresceu muito nos últimos cinco anos. Quem puxa carroça
para alguém é um exemplo de trabalho precarizado. O sacoleiro também, assim como os milhares de camelôs. ?O problema do desemprego só será solucionado
no longo prazo?, diz Cássio Mesquita Barros, professor de direito no trabalho,
da Universidade de São Paulo. ?Exige um conjunto de mudanças que vão desde
uma redução na taxa de natalidade até a flexibilização das leis trabalhistas.? Na universidade ou no governo ? todos os governos ? as soluções são sempre de
longo prazo. O problema é que os milhões de desempregados e os que vivem de salário mínimo precisam pagar as contas no fim do mês. Essa equação ? a diferença entre o longo prazo da teoria e o imediatismo da necessidade ? é que explica as vaias que Lula levou no ABC.