05/05/2004 - 10:00
Conte conosco: entre os apoios de peso, Chico Buarque de Hollanda e Danielle Mitterrand
No Brasil, a cassação de um político costuma ter reflexos dos mais favoráveis. Antes de tudo, é símbolo de depuração e transparência na política. A máxima, cultivada na história nacional contemporânea, foi quebrada na semana passada, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou, por quatro votos a dois, os mandatos do senador João Alberto Capiberibe (PSB-AP) e de sua mulher, a deputada Janete Capiberibe (PSB-AP). Com base no testemunho de duas eleitoras do Amapá, que denunciaram ter recebido R$ 26 cada uma para marcar o nome dos parlamentares nas urnas, o casal foi condenado por compra de votos nas eleições de 2002. Se a decisão não for revertida, ele será o primeiro senador cassado do País.
Capiberibe conta que, ao ouvir a decisão, voltou mais de três décadas no tempo. “Tive a mesma sensação de estar imobilizado por uma camisa-de-força que senti quando fomos presos em 1970”, afirma. Na época, o casal integrava a organização clandestina Aliança Libertadora Nacional (ALN), do líder guerrilheiro Carlos Marighella. Como Janete estava grávida de oito meses, deixava a cidade de Belém (PA), junto com o marido, para escapar da perseguição do governo militar. Na primeira barreira montada pela polícia, os planos do casal foram interrompidos. A carreira política, no entanto, continuou, mesmo depois de dez anos de exílio. Quando governador do Amapá (1994-2002), Capiberibe se destacou por investir no desenvolvimento sustentável da região. Janete, que já exerceu três mandatos como deputada estadual, é forte candidata à Prefeitura de Macapá nas próximas eleições.
Originalmente, a denúncia contra o casal foi feita ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), no Amapá, pelo ex-senador Gilvan Borges, do PMDB, que perdeu as eleições para Capiberibe, e por Jurandil Juarez, também do PMDB, candidato derrotado à Câmara dos Deputados. Como o TRE julgou a denúncia improcedente, Borges e Juarez recorreram à instância superior. Em sua defesa no TSE, os Capiberibe apresentaram uma gravação na qual as duas eleitoras assumem que receberam “uma mixaria” para acusar o casal e pedem R$ 20 mil para mudar o depoimento. Não surtiu efeito. Para tentar manter seus mandatos, eles agora vão apelar ao Supremo Tribunal Federal. “Minha revolta é que tudo não passa de uma armação política”, reclama Janete. “Nossa cassação interessa ao PMDB, cujo maior expoente no Estado é o senador José Sarney.”
No processo que culminou na cassação dos parlamentares, também há referência à apreensão de R$ 15.495 na casa de duas militantes do PSB e uma relação de nomes. Não há, no entanto, nenhum vínculo entre essas militantes e as duas eleitoras que dizem ter recebido os R$ 26 em troca do voto. Embora com minoria no TSE, os Capiberibe vêm recebendo apoios de peso. Entre os dispostos a testemunhar a favor deles estão o compositor Chico Buarque de Hollanda e Danielle Mitterrand, viúva do presidente francês François Mitterrand. Na semana passada, ainda abalada com a decisão do TSE, Janete comentou que tem esperança de recuperar o mandato. “Se não der, tudo bem”, comentou. “A luta continua”, completou, usando uma palavra de ordem típica dos anos de chumbo.