ensinodefutebol56_1.jpg

CANUDO Com o diploma do ensino médio, Gomes foi para a Holanda e não fez feio no inglês

 

 

Tire a bola dos pés e estenda o microfone para um jogador de futebol da categoria de base do Cruzeiro. Aquele que ligar o piloto automático e soltar “estamos bem orientados pelo professor e, se Deus quiser, vamos lutar pelo resultado positivo” vai se ver na sala de aula com Lucas Nogueira. Professor de linguagem midiática, Lucas ensina os futuros craques do time mineiro a melhorar a comunicação com a imprensa e eliminar cacoetes como mascar chiclete e coçar o rosto ao ser entrevistado. Essa é apenas uma das disciplinas da grade curricular da Escola Alternativa que o Cruzeiro instalou dentro do centro de treinamento para seus atletas.

Ensinar física, química e outras matérias tradicionais aos jogadores é – no discurso de clubes que patrocinam o estudo deles – tão ou mais importante do que fazê-lo acertar o gol no campo. Pouquíssimos, porém, levantam uma escola dentro de suas dependências. Desde 2001, o Cruzeiro formou 46 turmas de atletas entre o ensino fundamental e o médio. “Apenas 10% dos garotos que chegam para jogar aqui têm os pais em Minas Gerais para zelar pela formação deles”, explica a pedagoga Rosa Maria de Mesquita, diretora da Alternativa.

Gomes, goleiro de Seleção Brasileira e, hoje, no PSV, da Holanda, computava três períodos letivos perdidos ao chegar ao Cruzeiro, aos 18 anos, depois de rodar por clubes em Maceió (AL), Londrina (PR) e Campinas (SP). Lá, mesmo distante da família, concluiu o ensino médio. “Se não tivesse a escola lá dentro, eu, como muitos, não teria me formado”, diz o jogador de 26 anos. Ele treinava entre os profissionais de manhã e à tarde e, à noite, ia para o colégio, reconhecido pela Secretaria Estadual de Educação. “Me adaptei rápido na Holanda graças às aulas de inglês do Alternativa.”

 

ensinodefutebol56_2.jpg

 

No Rio de Janeiro, o Vasco também troca a chuteira de seus atletas por lápis e borracha em algum período do dia. Desde 2004, o colégio Vasco da Gama, que fica em São Januário, ensina filosofia, sociologia, espanhol e outras disciplinas. São 20 professores e 180 atletas – 90% jogadores de futebol e o restante praticantes de remo, basquete e atletismo. “Uma escola fora do clube não quer saber se o aluno chegou tarde porque estava treinando ou se faltou uma semana porque viajava com o time”, pontua Maria da Glória Gomes, espécie de meio-de-campo entre os setores educacional e esportivo do clube.

No elenco atual do Atlético Paranaense, 13 jogadores fizeram o ensino fundamental ou médio patrocinados pelo clube, que tem uma parceria com a escola estadual Flávio Ferreira da Luz, localizada ao lado do centro de treinamento. Dentro de suas dependências, a agremiação conta com uma biblioteca com 2.400 volumes e uma lan house com sete computadores. O goleiro reserva do time, Vinícius Vieira, 22 anos, concluiu a faculdade de educação física este ano, depois de terminar o ensino médio na escola parceira do Atlético. “Passei no vestibular na primeira chamada. E o clube bancou as mensalidades.”

Três meses atrás, o Atlético pagou passagens aéreas e reuniu 30 pais de atletas em suas dependências. Ceridalva de Araújo Costa, 43 anos, veio de Salvador para conferir o aprendizado do filho Bruno, 17 anos, capitão do time juvenil e aluno do terceiro ano do ensino médio. No evento, ela fez questão de registrar, com microfone em punho, a sua felicidade pelo novo horizonte que se abriu para o filho: “Quero agradecer porque, se meu filho não der certo no futebol, sei que o clube o formou como cidadão.”