23/08/2002 - 10:00
Tempos atrás, o regime político por aqui vigente chamava-se ditadura militar. Como se sabe, isso aconteceu a partir de 31 de março de 1964, dia em que foi derrubado o então presidente João Goulart. Para alguns, o que os militares fizeram foi, a princípio, apelidado de revolução e, à medida que demoravam em devolver o País de novo aos civis, aquilo ficou sendo conhecido como golpe. E aqueles eram tempos em que a América Latina era governada por militares golpistas. Brasileiros, chilenos, argentinos, uruguaios, bolivianos, peruanos e paraguaios sentiam na carne, literalmente, o amargo sabor do autoritarismo. Numa macabra competição para ver quem é pior, ocupam ótima colocação os militares argentinos, que torturaram e mataram cerca de 30 mil compatriotas e expulsaram do país intelectos preciosos que hoje vagam pelo mundo numa grande diáspora, enquanto na Argentina se paga um altíssimo preço pela aridez sistematicamente instaurada a ferro e fogo.
No Brasil, apesar de não chegar aos pés de seus pares argentinos e de ter feito obras importantes para o País, o regime militar acabou passando para a história também pelo que de ruim cometeu. E não foi pouco. Houve o sacrifício das liberdades individuais; entre torturados, desaparecidos e mortos, o enfrentamento entre o poder e seus opositores deixou muitas vítimas; um patriotismo exacerbado era imposto a ferro, fogo e muita publicidade; a privacidade era um artigo raro e o aparelho de segurança em vez de proteger aterrorizava o cidadão.
Hoje os tempos são outros. Mas, apesar de a democracia estar firmemente implantada, além dos sacrifícios acima relatados, outras sequelas ficaram. Alguns temas demoraram a deixar de ser tabu, e segurança é um deles. Como sinônimo de repressão, lembrava ditadura e como tal trazia tristes lembranças. Faltou objetividade para abordar o problema, e lá de cima do muro deixou-se a falta de segurança chegar aos absurdos níveis de hoje.
Nacionalismo é outro tema a ser exorcizado. Longe de ser pecado na dose certa, ele, nos anos negros, foi servido como óleo de rícino goela abaixo do paciente, criando ânsias e traumas agudos. Foram slogans quase fascistas do “Ame-o ou deixe-o” da era Médici. E esse excesso afetou a auto-estima nacional. Passamos a nos sentir culpados de sentir orgulho da bandeira, do sucesso de um compatriota. Até os êxitos da indústria nacional eram confundidos com tendências expansionistas.
Hoje, os episódios das plataformas da Petrobras que estavam sendo encomendadas fora do País e da reposição dos aviões da FAB, em que a brasileira Embraer estava sendo preterida, nos alertam para o fato de que já é tempo de exorcizar eventuais traumas do passado e começar a lutar por este país. Mais que perder a vergonha, temos que nos orgulharmos de ser brasileiros, assim como, por exemplo, americanos se orgulham de ser americanos.
Hélio Campos Mello, Editor