23/08/2002 - 10:00
Esquecido nos últimos anos pelo governo e visto como um péssimo negócio pelos consumidores, o carro a álcool começa a ganhar novamente a simpatia dos brasileiros. Motivos não faltam: no início do mês, o governo reduziu a alíquota do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) de 25% para 14% para veículos com motores a álcool de 1.3 a 2.0; o preço do litro do combustível nos postos chega a custar um terço em relação ao da gasolina; e já se fala em um bônus de R$ 1 mil para aqueles que adquirirem modelos a álcool.
No caso desse bônus – parte de um projeto que visa ressuscitar o velho Proálcool com a produção de 100 mil veículos -, a conta seria paga pelo governo da Alemanha, que em troca ganharia uma cota maior de emissão de gás carbônico, um dos principais responsáveis pelo efeito estufa.
O negócio com os alemães, avaliado em R$ 100 milhões, é uma das novidades trazidas pelo Protocolo de Kyoto – um documento que ainda não entrou em vigor, mas foi assinado por vários países com o objetivo de melhorar a proteção do clima no mundo. Pelo acordo, nações consideradas grandes emissoras de poluentes que provocam o efeito estufa poderão compensar os estragos na camada de ozônio comprando créditos de carbono de países em desenvolvimento que tenham projetos de energia limpa, como é o caso do Brasil com o Proálcool. Se tudo der certo, o governo deve anunciar os termos do acordo com a Alemanha durante a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+10), que começa na segunda-feira 26, em Johannesburgo, na África do Sul.
Enquanto os incentivos não chegam, o carro a álcool – que já representou 96% das vendas de automóveis de passeio em 1985 -, vem ganhando espaço desde o início do ano, empurrado principalmente pelos constantes aumentos no preço da gasolina e pela garantia de que o carro a álcool, hoje, não impõe ao motorista aquela tortura de antigamente. Foi no mês de julho que a Anfavea, a associação que reúne as montadoras, registrou o melhor resultado dos últimos sete anos: foram vendidos 4.411 carros a álcool, ou 4,5% do total do mês, uma alta de 57% em relação a junho e de 420% se comparado ao mesmo mês de 2001. Mais: nos sete primeiros meses do ano, os motores a álcool já somam 22.986 unidades, 4.651 a mais do que em todo o ano passado. " É um combustível limpo e mais econômico em termos de custo", diz Paulo Kakinoff, gerente executivo de marketing da Volkswagen. A montadora alemã lidera as vendas de carros a álcool com mais de 50% do total comercializado no primeiro semestre do ano. "Não paramos em nenhum momento de produzir modelos a álcool", afirma Kakinoff, lembrando que os concorrentes só estão produzindo sob encomenda. Hoje, dependendo da marca, a entrega de modelos a álcool pode demorar até 40 dias.
Flexível – Embora exista uma tendência de crescimento nas vendas de veículos movidos a álcool, a indústria automobilística e o próprio governo ainda não estão seguros em relação à oferta do combustível nos postos. As cenas de filas de carros parados por falta de álcool em 1989 ainda estão bem vivas na memória dos motoristas brasileiros. Tanto que a maioria das montadoras praticamente abandonou o álcool e passou a investir em motores que funcionassem com dois combustíveis misturados ou não. O conceito chamado de FlexFuel, ou combustível flexível, começa a se tornar viável, especialmente depois que o governo reduziu o IPI e sinalizou que os carros que utilizarem essa tecnologia terão o mesmo tratamento tributário que o movido a álcool. A americana Ford foi a primeira a apresentar um protótipo do Fiesta que pode ser abastecido com álcool, gasolina ou com os dois misturados. A previsão é de colocar no mercado os primeiros modelos dentro de 12 a 15 meses. "A tecnologia está dominada, estamos na fase de desenvolvimento para produção", adianta Rogelio Golfarb, diretor de assuntos corporativos da empresa.
Fiat, General Motors e Volkswagen também têm projetos para veículos com dois combustíveis. O FlexFuel, no entender de Kakinoff, vem resolver os possíveis problemas de abastecimento do álcool e dos constantes aumentos no preço da gasolina. Na prática, o consumidor poderá escolher qual o melhor momento para utilizar um ou outro combustível. A Magneti Marelli, empresa do grupo Fiat, e a Bosch também desenvolveram dispositivos que permitem à indústria automobilística oferecer veículos com motores FlexFuel. No caso da Magneti Marelli, a tecnologia foi desenvolvida nos laboratórios da fábrica de Hortolândia, em São Paulo, e custou R$ 3 milhões. "Estamos conversando com todos os fabricantes e cumprindo todas as etapas de testes", diz Fernando Damasceno, gerente de Programa da empresa. Os executivos da indústria ainda não falam em preço, mas garantem que os veículos FlexFuel não deverão custar muito mais que os atuais devido aos incentivos do IPI. É ver para crer.
Carro chipado
O preço baixo do álcool nos postos de todo o país está causando uma corrida de motoristas às oficinas de conversão de motores em São Paulo. Os modelos a partir de 1997 necessitam de uma simples reprogramação do chip da injeção eletrônica para trocar de combustível. "É um negócio promissor", diz Florinaldo Quirino, dono de oficina em São Paulo, e um dos pioneiros do "carro chipado", como foi batizado o sistema.
O remapeamento do chip, diz Quirino, é feito graças a um programa de computador desenvolvido na Itália para preparar motores de competição. Ele permite ler as especificações originais do motor e modificá-las. Feito isso, gravam-se as novas configurações em um outro chip que substitui o original. Para voltar para a gasolina, basta recolocar o chip original e fazer pequenos acertos. Quirino investiu
R$ 30 mil e, nos últimos 90 dias, sua empresa mudou mais de 500 carros para álcool ao preço de R$ 450.
Os chips, encontrados na Santa Efigênia, tradicional rua do centro de São Paulo que vende eletroeletrônicos, custam entre R$ 10 e R$ 15. A economia pode chegar a R$ 0,90 por litro. Edison Parro, presidente da Associação dos Engenheiros Automotivos, diz, porém, que mudanças no chip são no mínimo temerárias e abreviam a vida útil do carro.