A reconstrução do que sobrar do Iraque no pós-guerra não seguirá a cartilha do velho Plano Marshall. Ao contrário do que ocorreu nos gigantescos esforços de reedificação da Europa depois da Segunda Guerra Mundial, quando os americanos investiram bilhões de dólares em concorrências internacionais abertas, os iraquianos vão contar apenas com um punhado de empresas escolhidas a dedo entre aquelas que merecem a total confiança e amizade do governo W. Bush. Nações que, como a França e a Rússia, fizeram oposição à atual campanha militar, já são tidas como persona non grata no rol daqueles que vão ganhar verdadeiras fábulas consertando aquilo que as bombas e fogos de artilharia destruíram entre os rios Tigre e Eufrates. A surpresa, porém, foi a porta fechada na cara de muitas companhias britânicas – parceiros de primeira hora de Washington na aventura no deserto – e também de firmas americanas que imaginavam abocanhar parte destes espólios de guerra.

Numa atitude que causou espanto e revolta nos meios empresariais,
o governo Bush revelou que as concorrências para obras e serviços
do pós-guerra iraquiano serão limitadas a um punhado de companhias, que vão repartir alguns bilhões de dólares, com estimados US$ 900 milhões investidos apenas na fase inicial de projetos. Os primeiros
ungidos foram firmas com atuação na área de energia, principalmente
no que diz respeito a instalações para exploração petrolífera. Na lista escrita com a indefectível caligrafia do círculo mais íntimo da Casa Branca, estão as empresas: Bechtel Grup Inc., Fluor Corp. e Halliburton Co. – esta última, que manteve por cinco anos Dick Cheney em sua diretoria antes de ele ser eleito atual vice-presidente. A Halliburton, lembre-se, esteve durante todo o ano passado nos noticiários, acusada de práticas de alteração de balanços fiscais e outras fraudes financeiras que, por seu escopo, chegaram a abalar a economia do país. As investigações sobre essas maracutaias ainda não foram concluídas.
A atuação dessa empresa no Iraque será coordenada através da subsidiária Kellog Brown & Root, especialista já contratada para apagar incêndios em poços de petróleo iraquianos.

Todas as empresas mencionadas, revelam os orçamentos de campanha do Comitê Nacional do Partido Republicano, estão entre os maiores contribuintes do partido nas eleições presidenciais e legislativas. “Isso não é uma concorrência: é uma ação entre amigos”, disse a ISTOÉ o senador Robert Byrd, democrata de West Virginia e veterano membro dos Comitês de Orçamento, Forças Armadas e de Apropriação do Senado.

Mais choro e ranger de dentes partem de Londres, onde empresas e membros do Parlamento britânico expressaram revolta com a escolha. “Esperemos que esta concorrência fechada seja apenas um primeiro passo rumo a um sistema mais claro, aberto e justo nos esforços de reconstrução. Os Estados Unidos certamente não podem se esquecer de quem está lutando a seu lado nesta guerra”, diz o conservador sir John Stanley. E, do outro lado das fileiras do Parlamento, o peripatético primeiro-ministro Tony Blair teria discutido com o presidente George W. Bush nos jardins de Camp David, e pressionado para ampliar a partilha que caberá a cada país no pós-guerra.