06/09/2012 - 17:00
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O CHEFÃO DA BOCA
Daniel Oliveira no papel de Joanides: óculos de grau,
prótese no queixo e dilatador atrás das orelhas
Sempre que se fala no malandro do passado, dono de elegância e de uma ética um tanto duvidosa, a imagem que vem à mente é a do bandido carioca. Com o seu terno de linho branco e a sua ginga de sambista, ele deu origem a uma representação tão icônica quanto a do caubói americano ou a do gondoleiro veneziano. Tornou-se um produto de exportação. Malandros, no entanto, existem em qualquer lugar. Seu sucedâneo paulista nos tempos românticos anteriores ao crime organizado tinha traços bem diferentes: não gostava de se destacar da massa e aproveitava o visual comum do terno escuro e do chapéu de feltro para transitar na zona cinza do anonimato. Alguns se destacaram pela crueldade e ganharam fama, caso de Hiroito de Morais Joanides (1936-1992), cuja trajetória de explorador do meretrício e traficante de drogas nos anos 1950 e 1960 é retratada no filme “Boca”, que estreia nas próximas semanas após cumprir carreira premiada em diversos festivais.
Lançado primeiro no Exterior, onde foi apelidado de “O Poderoso Chefão” brasileiro, o filme de Flavio Frederico não tem o lado épico da obra de Francis Ford Coppola e dela se aproxima apenas por retratar uma figura que mandou e desmandou no mundo do crime. No caso, a Boca do Lixo, no centro de São Paulo, região também conhecida como Quadrilátero do Pecado, que deu lugar à chamada Cracolândia – Joanidades, interpretado no filme por Daniel Oliveira, era conhecido, aliás, como O Rei da Boca. Era uma figura em tudo curiosa. De oriental, por exemplo, ele não tinha nada: seu nome foi uma homenagem que seu pai, de origem grega, fez ao imperador japonês Hiroito. Amante dos clássicos, foi um leitor voraz de Victor Hugo, Ernst Hemingway, Jack London, Walt Whitman e Charles Baudelaire. Sua lista de crimes, inclusive, poderia preencher um livro. Fala-se em cerca de 170 passagens pela cadeia e de uma ficha policial de 20 metros de papel.
QUADRILÁTERO DO PECADO
Hermila Guedes (à esq.), como Alaíde, e duas colegas: prostitutas desafiavam a polícia
Foi na cadeia, ao cumprir pena de sete anos, que o criminoso escreveu o livro “Boca do Lixo”, em que se baseia o filme – ao ser lançado em 1977, a obra foi best seller e vendeu mais de 30 mil exemplares. Frederico, contudo, afirma que usou essa autobiografia apenas como um guia: “Ele fazia marketing pessoal, nem tudo o que dizia sobre si mesmo era verdade.” As passagens mais inacreditáveis da trama, no entanto, foram confirmadas nas páginas policiais da época. Eis duas delas: a espetacular fuga fantasiado de mulher, quando o apartamento em que estava foi cercado pela polícia; e a estratégia de praticamente viver circulando por São Paulo durante dois meses dentro de um fusca para despistar os investigadores – para não dormir, passava o tempo se drogando com a anfetamina Pervitin, apelidada de “perversa” pelos usuários.
O rigor da pesquisa histórica, que resgatou detalhes como o uso dessa droga comprada em farmácias, permitiu narrar com fidelidade episódios como as batidas policiais em prostíbulos (os soldados destruíam todo o mobiliário a machadadas e depois o atiravam nas ruas) ou a prática das mulheres em se exibir aos clientes através de venezianas. A reconstituição da época, no entanto, não foi fácil. “Fazer filme histórico em São Paulo é uma tragédia. Não sobrou uma rua de paralelepípedo”, diz Frederico. A solução foi garimpar locações em bairros deteriorados como o Brás e o Pari. Outra saída foi rodar externas no centro histórico de Santos, que preserva construções do período. Mais complicado ainda foi “enfear” o protagonista, interpretado por Oliveira. Como o Joanides real, ele usou óculos de fundo de garrafa e ressaltou os traços pouco generosos do personagem, com uma prótese no queixo e um dilatador de nariz na região do ouvido, o que o deixou com orelhas de abano. Tais particularidades não impediram Joanides de viver cercado de beldades, como Alaíde, interpretada por Hermila Guedes, a prostituta que ele tirou das ruas e com quem se casou, ou a exuberante loira Silvinha, ex-miss Petrópolis, defendida com garra por Leandra Leal.
Fotos: Divulgação