16/08/2002 - 10:00
Pelo tom de seu discurso, o ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, por vezes soa como o mais romântico dos ecologistas. Advoga em defesa das cooperativas de trabalhadores, no lugar dos mastodontes que já foram sinônimo de progresso da Amazônia. Sobretudo, nutre a fé inabalável de que no final tudo vai dar certo: que a raça humana não precisará viver uma catástrofe climática, como as enxurradas da Europa na semana passada e o inverno de 30ºC no Sudeste brasileiro, para tomar atitudes que reduzam o aquecimento do planeta. Capixaba de nascimento e mineiro de coração, Carvalho hasteia como bandeira a tese do desenvolvimento sustentável, traduzida em iniciativas que preservam a natureza com progresso econômico e bem-estar aos 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia.
Engenheiro florestal de formação, ele ocupou o posto de secretário ambiental de Minas Gerais e, desde 1999, dá expediente no Ministério do Meio Ambiente. Ali, foi o braço direito do ex-ministro Sarney Filho, a quem substituiu em março deste ano. Às vésperas de completar meio século, Carvalho leva no sangue a experiência no campo. Neto e bisneto de trabalhadores rurais, ele morou na roça até os 15 anos e diz falar com conhecimento de causa sobre as necessidades de quem faz da floresta sua razão de existir. Como um dos representantes nacionais na Rio + 10, a conferência mundial sobre meio ambiente que começa no dia 26 em Johannesburgo, África do Sul, Carvalho quer provar que o País fez sua lição de casa. Vai mostrar os avanços obtidos com o aumento da fiscalização e com a lei que pune os crimes ambientais, apesar de o índice anual de desmatamento na Amazônia já ter transformado em fumaça 15% da maior floresta tropical do mundo. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O Brasil avançou muito em políticas para integrar a Amazônia. Incorporá-la não significa transpor para a floresta o mesmo modelo predatório que dizimou a mata atlântica. O progresso ali terá de ser feito dentro do conceito de desenvolvimento sustentável, que pressupõe juntar da melhor forma os aspectos econômicos, ambientais e sociais inerentes às vastas potencialidades da Amazônia brasileira.
Boa parte desses projetos foi patrocinada por um programa governamental, o PPG-7 (programa piloto para a proteção das florestas tropicais), com recursos do G-7 (as nações mais ricas do planeta). São projetos extrativistas que demonstram a viabilidade da exploração sustentável da Amazônia. Elas mostram a viabilidade do modelo baseado no uso dos recursos florestais, e não no desmatamento.
Chegou o momento de inflexão nessa política. O desenvolvimento sustentável precisa deixar de ser um slogan para virar uma estratégia nacional que promova crescimento econômico com respeito ao meio ambiente e maior inclusão social. Havia um conjunto de políticas governamentais, crédito e incentivo fiscal que estimulavam o desmatamento. Podemos inverter essas políticas, com a criação de linhas de crédito voltadas à agricultura familiar.
O próprio governo está reavaliando os eixos de desenvolvimento através de uma consultoria (a americana Booz Allen & Hamilton). Hoje, a comunidade se assenta em torno do desmatamento porque essa é a única oportunidade de emprego e de renda. Há alternativas melhores do ponto de vista ambiental e social.
Espero que eles ainda tratem disso. Não há programa de governo sério para o Brasil se não incluir a temática ambiental e o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Qualquer programa de governo que excluir essas questões não está sintonizado com a realidade brasileira.
Podemos assegurar o desenvolvimento da Amazônia sem grande prejuízo à biodiversidade. É evidente que desenvolvimento pressupõe infra-estrutura, como transporte, energia, comunicação e portos. O importante é causar o menor impacto possível. No regime militar, havia o conceito de construir estradas para permitir uma penetração na floresta. Como isso não foi acompanhado de estudo de zoneamento ecológico e econômico, muita gente foi à região sem nenhuma estratégia de ocupação. Com um bom plano de zoneamento, dá para se definir as áreas com aptidão à agropecuária, por exemplo. Só não podemos ter a idéia de que o brasileiro no Centro-Sul pode ter estrada asfaltada, energia elétrica, e o da Amazônia não pode. É evidente que os mesmos benefícios têm que ser assegurados a todos. Aos amazônidas interessa um modelo diferenciado do restante do País.
É evidente que a sociedade tem um papel de liderança nesse processo. É a sua visão que induz as políticas de governo. O Estado tem de responder às pressões da sociedade, quando isso coincidir com os interesses nacionais. É o caso da discussão sobre os limites de desmatamento previstos no Código Florestal. Foi a primeira vez que a opinião pública entrou para valer no debate ambiental.
A economia mundial, principalmente dos países desenvolvidos, hoje segue padrões de produção e consumo insustentáveis. O WWF (Fundo Mundial para a Natureza) revelou que o uso dos recursos naturais é maior do que a capacidade de regeneração do planeta, o que indica, a longo prazo, uma exaustão. Como a humanidade sempre teve capacidade de reação, esperamos que isso se altere. Uma forma seria a diminuição no ritmo de consumo. É o caso da água. Com a crise de energia, os brasileiros entraram no racionamento. A população aderiu de maneira extraordinária. Poucas vezes tivemos um exemplo de cidadania como esse.
A punição colaborou, mas a adesão foi vital. A sociedade poderia ter cometido uma indisciplina generalizada, mesmo com multa,e o racionamento não teria vingado. Depois do racionamento, oconsumo de energia não voltou aos níveis originais. O Brasil consome 13% menos que antes do apagão. A sociedade percebeu que estava desperdiçando energia. Com isso, há também economia de água, que gera energia. Quer dizer, cada vez que o cidadão economiza energia, ele colabora com o meio ambiente. Temos um problema cultural. Somos um país de dimensão continental com abundância de recursos naturais, o que criou no brasileiro o mito da inesgotabilidade. Só agora percebemos que os recursos são escassos, e podem terminar se não fizermos uma exploração responsável.
O País deve se mostrar como é de fato, uma potência ambiental. Temos o maior patrimônio de biodiversidade do mundo, o maior remanescente de floresta tropical e uma das maiores reservas de água doce. Isso nos diferencia e coloca o Brasil numa posição afirmativa, e não defensiva, como no passado. Investimos mais de US$ 1 bilhão de capital internacional em preservação do meio ambiente.
É uma combinação de fatores. Primeiro, há um mercado favorável, interno e externo, que consome mogno. Segundo, o grande valor comercial da espécie, que estimula a ilegalidade. Em Londres, cada metro cúbico de mogno custa US$ 1.600, e apenas US$ 20 são pagos aos índios, num processo ilegal e predatório. Atingimos um recorde de apreensão de mogno, com 50 mil metros cúbicos. Além do controle e da fiscalização, temos que descobrir fórmulas para criar uma oferta sustentável de mogno.
Propomos criar uma linha de financiamento exclusiva para o manejo florestal, e só o daremos às empresas certificadas, para que o consumidor tenha certeza de que está usando um produto ambientalmente correto. Não podemos deixar de consumir madeira. Queremos apenas criar um consumo consciente. O Brasil tem obrigação de ter uma das maiores economias florestais do mundo. A natureza nos deu uma vantagem única. O que falta é transformar isso em vantagem competitiva.
Não dá para pensar num só país isolado. Tudo está interligado, o que pressupõe mudanças internacionais. Os países desenvolvidos pregam o combate à pobreza e o incentivo à sustentabilidade, mas persistem numa ordem econômica que vai na contramão do que eles preconizam. É o caso dos subsídios à agricultura. Os Estados Unidos acabaram de aprovar uma lei que aumenta em US$ 50 bilhões o subsídio da agricultura. Somado à Europa, eles gastam US$ 400 bilhões ao ano para subsidiar sua agricultura. Nesse modelo, os países em desenvolvimento só são competitivos porque fazem uso predatório da natureza.
Indiretamente, sim. Para a madeira ser competitiva lá fora, é preciso incluir no preço final o custo ambiental da exploração. O mercado internacional deveria remunerar esse custo. Só que as mudanças internas de um país dependem de outras internacionais.
Ali estarão chefes de Estado, lideranças públicas, ambientalistas, lideranças empresariais, enfim… vai ser um grande caldeirão. A posição brasileira é aplicar todas as energias para elaborar um plano de ação que tire do papel as convenções aprovadas no Rio (em 1992), como a do clima, e a da biodiversidade, para que se possa iniciar um novo processo, com objetivos mensuráveis. Passou a época das boas intenções e declarações exortatórias. Não podemos sair com aqueles documentos diplomáticos: “Declaramos o nosso repúdio a todo tipo de devastação.” Isso acabou.
A posição dos EUA é retrógrada. Com a adesão do Japão ao tratado, houve um certo desequilíbrio, porque os americanos esperavam a companhia de uma outra grande nação industrializada – a Austrália tem um peso político relativo. Nossa expectativa é que, com a adesão da Rússia e da Polônia, o protocolo entre em vigor e com ele a redução dos poluentes que agravam o efeito estufa. A tendência é acentuar o isolamento dos EUA. Como eles desconhecem as pressões internacionais, o governo Bush pode começar a enfrentar uma reação da opinião pública. A percepção de que os americanos também serão prejudicados pelo aquecimento do planeta pode levar o próximo governo a mudar de opinião.
Não se trata mais de teoria acadêmica. O aquecimento da Terra é grave, com catástrofes perceptíveis que mexem com a vida das pessoas, e deve ser tratado com seriedade. Sei que está em jogo uma complexidade de interesses econômicos que se contrapõem à boa vontade.
A pobreza é uma questão central, mas não pode desviar a atenção de outras, como os padrões de produção e consumo das economias industrializadas. Não adianta enviar cesta básica e remédio aos países pobres. É preciso abordar o desenvolvimento sustentável, com mudanças econômicas nos subsídios, transferências de tecnologia e acesso de produtos subdesenvolvidos aos mercados desenvolvidos.
O despejo de esgoto é a principal fonte de poluição dos recursos hídricos. Há muitos lixões, que exibem um quadro de degradação ambiental e humana. Os lixões estão na entrada ou na saída das cidades. Não há sequer a preocupação de escondê-los, tamanho o desmazelo com que essa questão é tratada no Brasil.
O ecoturismo não é uma panacéia. Temos que ter cuidado ao definir a capacidade de cada lugar para que não haja uma visitação além dos limites naturais. O ecoturismo não é turismo de massa. Muitas vezes, o visitante tem a audácia de entrar numa caverna para competir com as pinturas rupestres, deixando lá suas marcas. Isso é um turismo mais que predatório.