28/06/2006 - 10:00
Ele anda com dois telefones
celulares no bolso e tem acesso rápido à internet na palma da mão. Em casa,
Silvio Genesini pode acessar seus e-mails em qualquer cômodo com seu computador pessoal ou de mão. Isso, sem ligar um único fio – em tempos de wireless, tudo é permitido ao presidente da Oracle do Brasil. Ou melhor, quase tudo. O próprio executivo, que comanda a filial de uma das maiores empresas de software do planeta, renuncia à chamada conectividade absoluta e abre mão de poder estar 100% do tempo plugado ao mundo. À noite e nos fins de semana, ele se desliga. “É preciso haver limites entre a vida pessoal e profissional. Os maníacos pela tecnologia exageram muito”, afirma. As famílias precisam de tecnologia, mas devem aprender a usá-la sem exageros. Os pais, defende Genesini, têm de impor limites ao uso dos computadores pelos filhos. E, como nos velhos tempos, mandá-los para a rua para brincar e interagir com as outras crianças, afirmou o executivo a ISTOÉ na seguinte entrevista.
Nem sempre. O lado positivo é a familiaridade com a tecnologia.
A próxima geração já vai nascer com uma familiaridade magnífica. Tudo vai ser absolutamente natural e elas irão adotar mais rapidamente as tecnologias em seu próprio benefício. Com isso, um pedaço maior da sociedade estará mais preparado para seguir carreiras relacionadas à tecnologia. O problema é o exagero. O abuso
do computador é um perigo muito grande, a criança pode perder coisas muito
boas e ficar viciada.
Desde o vício em jogos eletrônicos até o excesso de utilização do computador. Pode haver a perda do contato pessoal, dos processos lúdicos.
Brincar, jogar bola, conviver com as pessoas e ir para a balada são essenciais
para o desenvolvimento. O risco de perder tudo isso é preocupante. Assim como
as pessoas devem impor limites a si mesmas no trabalho, a criança também
tem que ter limites.
Os pais têm que limitar o uso, não deixar o filho ligar o computador
fora dos horários combinados. Têm que exercer os poderes da paternidade,
mandar a criança para a rua, jogar bola, passear. O contato pessoal é
extremamente importante. Têm que tirar o filho da tomada. O vício em joguinhos
é terrível. Outra questão extremamente relevante nesse contexto é a palavra
escrita e a falada. Os jovens estão escrevendo de forma totalmente diferente nos
e-mails e nas mensagens rápidas. Está surgindo um novo idioma, completamente diferente. Um canal de tevê a cabo tem legendas nesse idioma e é difícil prestar atenção, seguir aquele negócio do jeito que o pessoal fala. O que potencialmente seria uma revitalização da palavra escrita virou um negócio muito precário. Não é bom. Por isso, deve-se estimular o hábito da leitura. Se alguém medir os índices
de leitura, provavelmente vai ver que está caindo ou ficando banal. Nada supera
um livro. Nada. Definitivamente, o hábito de leitura é fundamental para você aprender a escrever, a falar, a se apresentar. A tecnologia pode ajudar, mas sua utilização
tem que ter um limite.
É verdade. A gente perdeu um pouco o hábito de conversar. Mas, felizmente, há um balanceamento. As pessoas ainda vão para bares, restaurantes, shows. Levam o celular, mas não o computador.
Praticamente, desapareceu a separação entre trabalho e lazer. O sumiço dessa fronteira é muito perigoso. As pessoas ficam conectadas o tempo inteiro, mesmo nos fins de semana e nas férias. Cada vez mais, elas acham que têm de responder aos e-mails imediatamente, mandam mensagens pelo telefone. A partir do momento em que você é localizável em qualquer lugar do mundo, está trabalhando. A tecnologia permitiu às empresas reduzir os níveis intermediários, a gerência. Há mais gente desempregada nessa faixa e quem ficou está trabalhando mais. A boa notícia é que a tecnologia permite que se tenha mais horas de lazer, mas você precisa ter uma certa disciplina. Na prática, isso é muito difícil.
Sim. Eu me desligo. A partir de certa hora da noite, desligo o celular. Eu não me conecto durante a maior parte do fim de semana. Guardo parte do domingo à noite para baixar meus e-mails. O lado bom é que toda essa tecnologia permite coisas que antes não existiam, como o trabalho em casa. Nossa sede é em São Paulo e uma de nossas gerentes financeiras mora em Gramado (SC). Certamente, a qualidade de vida dela é melhor. O executivo responsável pela América Latina mora no Rio de Janeiro, como poderia morar em Miami. O que vai resolver essa realidade são as novas relações de trabalho, o entendimento de que é preciso haver limites entre a vida pessoal e a profissional. Os maníacos pela tecnologia exageram muito.
Uma onda importante é a comunicação sem fio (wireless). Inicialmente, o wi-fi permitiu a conexão sem fio à internet em casa, no escritório. Com o wi-max, que está em fase de testes, uma torre única permitirá o acesso sem fio à internet em um raio de 50 quilômetros. No Brasil, isso será uma vantagem enorme. Com uma conexão simples, cobriremos uma região muito grande numa cidade do interior ou nos grandes centros urbanos. Nos pequenos municípios, praticamente todo mundo vai poder ter acesso à internet sem cabeamento nenhum. Hoje, o wi-max está sendo experimentado com computadores fixos, mas em pouco tempo permitirá a conexão com notebooks e computadores de mão em trânsito. Todas as grandes empresas estão atrás dessa tecnologia: Intel, Siemens, Ericsson, Lucent. Em três anos, será totalmente viável.
A grande mudança é que a dona-de-casa que trabalha vai melhorar a sua qualidade de vida e o uso do seu tempo. Fazer supermercado, compras e contratar serviços vai ficar mais fácil e num horário melhor. Não só graças à tevê digital, mas ao conjunto de tecnologias associadas e à internet. Além do lazer, vai haver muito mais interação com o consumidor. Ele poderá não só ver o produto, mas fazer perguntas na hora e comprar imediatamente. Com isso, poderá haver uma publicidade mais inteligente. As empresas terão interesse em pagar o acesso dos consumidores e uma parcela muito maior da população será beneficiada, mesmo os que não façam compras pela tevê digital.
Por razões ideológicas e interesses específicos, a discussão da tevê digital está centrada no padrão. Mas o padrão em si não tem grandes implicações.
O que o governo deveria ver e não está dando a devida atenção nesse momento é
o poder da tevê como forma de inclusão digital. A televisão é o eletrodoméstico
com o maior índice de penetração nos lares brasileiros. Mais de 90% das casas
têm. Dez anos atrás, o especialista americano Nicholas Negroponte veio ao Brasil
e falou para prestarmos atenção nisso. Discutimos essa questão razoavelmente, mas hoje ela ficou em segundo plano. A tevê digital não pode ser apenas um meio de radiodifusão unidirecional, é preciso discutir as alternativas que permitam a interação dos usuários. Num primeiro instante, o consumidor vai precisar de uma caixinha de conversão, pois não vai trocar o aparelho analógico pelo digital. Tem que ser um equipamento barato, para incluir mais gente possível. O segundo ponto é o modelo de negócios. Falta debate. O Brasil vai privilegiar a produção local, os componentes locais, a balança comercial? Esse modelo deveria estar na frente de todas as discussões.
Sim, mas não é só isso. Qual será a quantidade de fabricação local? O nível de geração de empregos e de conhecimento? Que influência teremos na geração dessa nova tecnologia? A que custo conseguiremos fazer tudo isso? O debate é fundamental, pois é nessas ondas tecnológicas que o País tem a oportunidade de fazer o negócio correto.
Estamos ficando para trás. A nota do
Brasil no Indicador da Sociedade da Informação, medido pela DMR Consulting e pelo Instituto Iese, é pior que a da Argentina, do Chile e do México. Outro estudo feito pelo World Economic Forum mostra o Brasil em 52º lugar no ranking de prontidão tecnológica, atrás de concorrentes importantes como Coréia do Sul, Índia e China. Em 2001, o Brasil estava na frente do Chile. Hoje, o Chile está em 29º lugar. Essa perda de posições é preocupante.
É preciso haver uma política de governo específica. Japão, Coréia e Índia têm algum ministério ou órgão do governo que olha com muita prioridade para a tecnologia da informação. Aqui, falta ênfase necessária, não há um núcleo de ações estratégicas dentro do governo que pense isso. Bolsa Família, fome e saneamento são questões urgentes, mas um pedaço do pensamento do governo tem que ser estratégico. O Brasil pode resolver muitos problemas, mas só dará um salto qualitativo se tratar bem a sociedade da informação. É assim que se coloca mais gente no mercado de trabalho e com salários muito maiores. É assim que se cria infra-estrutura para permitir às pequenas e médias empresas concorrerem nacionalmente e no Exterior. A comunidade, as empresas e as ONGs têm que olhar para isso também.
O Brasil tem cerca de 45 milhões de residências. Uns três milhões
têm acesso rápido à internet. Nos próximos três ou quatro anos, esse número
deve subir para seis ou sete milhões. São as residências das classes A e B. O grande problema são os outros 36 milhões de residências. No curto prazo, é
preciso ter políticas de inclusão digital para que a população de baixa renda possa ter computador e acesso à internet. O programa PC para Todos e os incentivos
da MP do Bem deram certo e atingiram a classe C. O problema são as classes
D e E. Dificilmente as pessoas mais pobres vão conseguir ter computador e
internet em casa. Precisamos pensar em soluções coletivas, como inclusão por meio de centros comunitários, escolas e locais de trabalho. O Brasil poderia usar
os recursos do famigerado Fust, o imposto criado na privatização da telefonia, para fazer essa inclusão popular. Outra medida é informatizar os serviços públicos e
levar os benefícios disso para toda a população. É o que foi feito pelo Poupatempo, em São Paulo.