28/06/2006 - 10:00
Um megaempreendimento de
235 milhões de euros (R$ 658 milhões), inteiramente dedicado às artes e civilizações da África, Ásia, América e Oceania, foi aberto ao público em Paris na terça-feira 20. Chama-se Museu do Quai Branly, localiza-se às margens do rio Sena e diante da Torre Eiffel, e seu surgimento coincide com o momento em que uma súbita mudança está em curso no mercado de arte internacional: os preços das chamadas obras primitivas (objetos rituais, cotidianos e decorativos de culturas ancestrais) começam a atingir preços estratosféricos – uma máscara ngil da etnia fang do Gabão, por exemplo, foi vendida num leilão parisiense pelo valor recorde de 5,9 milhões de euros (R$ 16,52 milhões).A privilegiada localização do Quai Branly o coloca no mapa cultural que inclui o Museu D’Orsay e o Museu do Louvre, com a promessa de reunir um valioso acervo de 300 mil peças voltado para as artes não-européias. O novo museu promoverá, assim, a integração entre as diversas culturas nesses tempos de globalização, o que anima os marchands, mas, como tudo que envolve arte na França, também o Quai Branly gera polêmica: alguns antropólogos afirmam que ao tratar como arte uma produção que não nasceu com tais propósitos (referência a objetos ritualísticos, por exemplo) corre-se o risco de perder a singularidade do pensamento de outros povos. Os artistas africanos, por sua vez, acham que a produção contemporânea do continente foi esquecida e que eles continuam sendo vistos como exóticos. O diretor do museu, Stéphane Martin, mira a população de descendentes de imigrantes (um dos grandes problemas sociais da França), para quem seria devolvida a cultura de origem, e não apenas “o estilo Luís XIV e o impressionismo”.
Como não se mudam conteúdos sem mudanças de formas, o novo ponto de vista do Museu do Quai Branly começa pelo seu próprio complexo de quatro edifícios (uma área de 40 mil metros quadrados) cujas linhas vanguardistas trazem a assinatura do arquiteto Jean Nouvel. Autor dos projetos do Instituto do Mundo Árabe e da Fundação Cartier, também em Paris, ele imaginou uma construção horizontal que avança como uma passarela em meio a um jardim de 18 mil metros quadrados, com 180 árvores. A sua definição do projeto é que se trata de um local onde “dialogam os espíritos ancestrais de homens que inventaram deuses e crenças para escapar de sua condição”. Na integração do exterior e do interior, Nouvel abusou de vidros e transparências, efeito que culmina com o espetacular muro de vidro que margeia o rio Sena. Com 200 metros de extensão e 12 metros de altura, a parede curva reúne 184 placas de vidro, criando um belo efeito diante das caixas de cores laranja, roxo e vermelho que adornam a fachada. Na face oposta, a parede externa de um dos prédios foi inteiramente recoberta com 15 mil mudas de 150 espécies diferentes de trepadeiras vindas
do Japão, da China, dos EUA e da Europa Central.
Com a abertura desse novo endereço cultural desaparece o específico Museu das Artes da África e da Oceania e também o Museu do Homem teve de mudar o seu acervo de local. O Quai Branly abarcou tudo – do laboratório de etnologia do Museu do Homem vieram cerca de 250 mil peças. Desde o início das obras do Branly, em 2001, foram disponibilizados 22,8 milhões de euros (R$ 63,8 milhões) para a aquisição de novos trabalhos. Por razões históricas (a França teve muitas colônias na África), a parte mais rica do acervo corresponde à coleção africana – são, ao todo, 70 mil objetos. Entre os destaques figuram uma máscara gelede iorubá (data desconhecida) proveniente de Benin, um astrolábio planisférico marroquino do início do século XVIII, uma estátua funerária etíope, um relicário ngoulou da população kota e uma estátua real da etnia bamiléké no Camarões, todas elas do século XIX. Para uma melhor apreciação das peças expostas, escolheu-se a disposição espacial por continentes e o olhar sobre cada cultura se dá na ênfase de aspectos relevantes de cada segmento – como as vestimentas na parte destinada à Àsia, a exemplo do vestido vindo da província chinesa de Guizhou. Organizado didaticamente dessa forma, o Quai Branly reúne enfim um espetáculo de cultura e arte. E o Brasil está nele representado, sobretudo, com a arte plumária da tribo caiapó.