Existem pelo menos duas maneiras de se assistir ao filme Carros (Cars, EUA, 2006), que estréia na sexta-feira 30 em todo o Brasil: ele pode ser visto como um filme para crianças ou como um espetáculo para adultos saudosistas da década de 1950 – segundo a crítica americana, “a década em que a juventude foi inventada”. Essa é a primeira animação dirigida por John Lesseter desde Toy story 2 (1999). Lesseter é o grande criador da animação computadorizada em 3D em parceria com Steven Jobs (leia-se computadores Apple), seu sócio na Pixar, empresa recentemente comprada pelos estúdios Disney. Além de Toy story, que lhe garantiu um Oscar em 1995 e deverá ter o seu terceiro episódio lançado em 2008, Lesseter dirigiu Vida de inseto e está por trás de sucessos como Os incríveis, Procurando Nemo e Monstros S.A. Apesar do fascínio que deverá exercer na garotada, Carros investe boa parte do tempo em homenagens a ícones daquela década fundamental para a cultura pop.

O herói de Carros chama-se Relâmpago McQueen, inspirado no ator Steve McQueen, falecido em 1980 e especialista em filmes de velocidade, nos quais dispensava dublês. McQueen é simbolizado nesse filme por um bólido vermelho, fora de série e competidor independente dos circuitos ovais que são muito comuns nos EUA. Relâmpago sonha, é claro, ser contratado por uma grande escuderia. Mas a caminho de uma corrida decisiva em Los Angeles ele acaba caindo do caminhão que o transportava e vai parar em Radiator Springs, um povoado do Condado de Carburator que conheceu melhores dias nos tempos da Rota 66. A célebre estrada ligava de maneira tortuosa Chicago a Los Angeles e foi abandonada com a construção da rodovia retilínea Interestadual. Em Radiator, Relâmpago McQueen fica amigo de tipinhos como Mate, um rebocador caipira e enferrujado, e de Fillmore, uma velha Kombi hippie que vende “gasolina orgânica”. Mais: ele se apaixona por Sally, simbolizada por um Porsche Carrera 2002, dona do único hotel da cidade. E aprende uma grande lição de vida com o juiz Doc, um Hudson Hornet 1951 – esse carro fala com a voz do ator Paul Newman, ele próprio um ex-corredor na vida real.

O mundo criado por Lesseter e o co-diretor Joe Ranft, que faleceu antes de o filme estar concluído, é habitado exclusivamente por automóveis. Em Carros, apresentadores de televisão como Jay Leno e corredores veteranos como Mario Andretti aparecem “interpretados” por veículos. O cenário na cidadezinha de Radiator é inspirado no Monument Valley utilizado por John Ford em seus westerns, só que as formações rochosas têm formas também de carros. Mesmo as piadas giram em torno de veículos. A música Rota 66 (sucesso de Nat King Cole e dos Rolling Stones) reaparece interpretada por Chuck Berry, roqueiro conhecido por seu gosto pela velocidade. Esse é, enfim, um filme para pai nenhum reclamar de levar o filho. Ambos sairão com os olhos vidrados. Não é à toa que o título original de Carros era Rota 66. Só que esse nome já havia sido registrado para um outro filme que estreará no ano que vem. E que também será uma animação.