Lá vem Zagallo, andar lento, o olhar perdido entre o passado glorioso e a ansiedade da partida diante do Japão. É 21 de junho,
véspera do terceiro jogo. Os jornalistas
cercam-no como uma matilha de lobos. A pergunta é inevitável. “O que o senhor sente ao estar aqui, no estádio de Dortmund, o mesmo em que o Brasil perdeu para a Holanda de Cruyff na Copa de 1974?” O veterano agita-se ligeiramente e destila sua arma de anos: a ironia. “Vocês gostam de ganhar ou perder? Preferem lembrar de uma vitória ou de uma derrota?” Ele diz então que há 36 anos, dia a dia, o Brasil ganhava o tri no México. A recordação do 2 a 0 diante da Laranja Mecânica, por trágica, fica para mais tarde. É o Zagallo de sempre – ainda que as debilidades provocadas por uma cirurgia do esôfago há dois anos tenham abatido o homem que fará 75 anos no dia 9 de agosto. Engana-se, contudo, quem imagina que ele esteja na Alemanha como mero amuleto, âncora a ligar as vitórias de ontem com as esperanças de hoje. A experiência parece ter lhe ensinado a abrir a boca para antecipar as notícias. Ao desembarcar na Europa, ele adotou Kaká e cravou: “Ele será um dos grandes jogadores da Copa.” Na partida contra a Austrália, ergueu-se como uma fera do banco de reservas para dar bronca em Zé Roberto, depois de uma entregada de bola ao adversário. Ao retornar estava cansado, nervoso – à revelia das orientações médicas.

Mas, afinal de contas, para que serve Zagallo além de receber homenagens (o campo de treinamento em Königstein, primeira parada alemã, era a Arena Zagallo)? Parreira tem a resposta. “Ele é uma referência do futebol, um sábio”, diz o treinador. “Há mais de 30 anos convivemos, e não há como esconder que ele sabe tudo, conhece tudo, já viu tudo no futebol, e isso é valioso.” Ao redor de esquemas de jogo, Parreira e Zagallo pouco conversam. Dono de um posto cada vez mais raro em Copas do Mundo – o de lenda, duas vezes campeão mundial como jogador, uma como treinador e outra como coordenador técnico, além do vice em 1998 como treinador –, Zagallo se permite produzir polêmicas e histórias engraçadas sem que essa dupla postura o torne menor aos olhos do mundo. Ele é uma entidade, o patriarca, o início de tudo. Seu lado cômico virou marca registrada. O futebol que ele imaginava, idem. Zagallo virou sinônimo de retranqueiro, embora as estatísticas apontem outro cenário. Em 2006, ele não será responsável por vitórias ou derrotas, mas é uma presença necessária porque virou sinônimo de futebol.

Citado como exemplo de perseverança e vitória pelo presidente Lula, na célebre teleconferência em que o presidente tocou no assunto da gordura de Ronaldo, Zagallo entusiasmou-se e produziu das suas. “Presidente, o dia da estréia do Brasil contra a Croácia é o nosso dia. É o 13 do PT e o 13 do Santo Antônio. Vamos juntos levar esta amarelinha lá para cima”, gritou na videoconferência. Houve risadas. E daí? Zagallo esteve em 287 jogos da Seleção desde 1957. Perdeu apenas 26. É uma marca respeitável, embora ele insista em colocar de lado a lembrança de Cruyff e de seus parceiros do Carrossel Holandês de 1974, os inventores do chamado futebol total, a surpresa tática que deixou o condutor do tri obsoleto. Mas, queiramos ou não, teremos que engoli-lo por R$ 100 mil mensais pagos pela CBF. E segurem a fera. Faltou a Dado Prso, da Croácia, alguém que o avisasse de uma mania de Zagallo. Assim que terminou a partida, ele pediu a camisa com estampa de tabuleiro de dama e toalha napolitana ao atacante. Prso disse não. Depois de muito insistir, conseguiu uma com Igor Tudor, para aumentar a coleção do filho. Ele não desiste – e isso é bom para o futebol. Em Dortmund, embora insistisse em salientar o aniversário do tri, ele admitiu, depois de 32 anos, ter desdenhado o Carrossel Holandês que venceu o Brasil por 2 a 0. O tempo fez bem a Zagallo. Logo depois de um treino da Seleção, ainda em Königstein, ele se encontrou com Ronaldo, que malhava na academia de ginástica ao som dos Rolling Stones. O centroavante aumentou o volume no clássico Satisfaction. Zagallo, ainda que claudicante, saiu dançando ao ritmo de Mick Jagger e cia.