Uma piada circulava em Dortmund antes da partida contra o Japão. Sabe-se que ela chegou aos jogadores, por meio da internet, nos onipresentes blogs. Provocou risos. É assim: antes do jogo, Zico telefonou a Parreira. “O Brasil já está classificado, você poderia dar uma mão para a gente”, pediu o Galinho de Quintino. O treinador da Seleção respondeu: “Ok, Zico, o que você quer? Que eu coloque os reservas?” A resposta: “Não, Parreira, pelo amor de Deus, os reservas não.” Os reservas entraram: Robinho, Juninho Pernambucano, Cicinho, Gilberto Silva e Gilberto. O Brasil venceu o Japão por 4 a 1, com direito a dois gols de Ronaldo, agora lenda viva. Ele marcou 14 vezes em Copas, duas a mais que Pelé, e número igual ao do alemão Gerd Müller. São os dois maiores artilheiros de todos os tempos em Mundiais. A vitória, desta vez com futebol alegre, alimentou um movimento que atravessou a semana: a revolta silenciosa dos reservas. Antes de ter o nome confirmado em Dortmund, Juninho foi o primeiro a se manifestar. “Ainda não chega a ser uma decepção, mas gostaria de ter entrado e participado de alguma forma”, afirmou.

Parreira, habituado a anunciar as equipes com muita antecedência, mudou seu estilo. Induzido por ISTOÉ a comentar o desconforto dos que não entram em campo, foi direto ao ponto. “Gosto que os jogadores durmam sabendo quem são os 11 titulares, mas desta vez foi diferente”, disse antes do embate contra o Japão. “Na Europa é muito comum os treinadores só anunciarem o time no vestiário e isso não gera nervosismo nenhum.” Será? Alguns jogadores passaram a semana buscando informações a respeito de mudanças por meio da internet e reclamaram com amigos e parentes da indecisão de Parreira. Adriano, antes de ser preterido, já estampava o incômodo. “Se ele me colocar no banco é porque sabe que o Ronaldo precisa de ritmo, que isso é importante para ele”, disse.

Os gols deram vida nova a Ronaldo – e demonstraram que Parreira, ao insistir com o camisa 9, sabia o que estava fazendo. Além disso, criou um problema para si mesmo, com o desempenho dos reservas, pondo a equipe mais ofensiva. “Tenho agora diversas dores de cabeça, o que é muito bom”, disse o treinador depois do jogo. “Aquela chamazinha que precisávamos acender chegou na hora certa.” Trata-se de saber, agora, até que ponto pode ir a reação do Fenômeno. A ordem do dia é a seguinte: apesar da boa atuação, vale a pena insistir tanto em Ronaldo? Há evidentemente a pressão psicológica de manter em campo um jogador duas vezes campeão do mundo, o maior artilheiro da história. Se era difícil tirá-lo do time antes, agora é praticamente impossível. “Ele precisava de tempo para ganhar ritmo”, afirmou Parreira. Antes da partida diante da Austrália, depois da nítida exibição nula do craque contra a Croácia, o treinador chegou a ir ao quarto do atleta. Conversaram calmamente. Parreira deixou claro que ele precisava se mexer mais no gramado. Ronaldo aquiesceu. Treinou com agasalho mesmo debaixo de temperaturas acima dos 27 graus e do clima seco. Na véspera do jogo contra o Japão, Moracy Sant’Anna, preparador físico da Seleção, revelou que Ronaldo chegou à Alemanha com mais de 94 quilos – e finalmente alcançara os 90,5 quilos. O site oficial da Fifa, cujos dados são enviados pela CBF, ainda apontava na sexta-feira da semana passada 82 quilos.

Parreira trocou a cautela habitual pela tática ofensiva ao empurrar a Seleção para a frente, com Juninho Pernambucano no lugar do burocrático Emerson no meio campo. Além disso, apostou na agilidade de Robinho e no poder de ataque dos laterais Cicinho e Gilberto. O tão badalado quadrado mágico (Kaká – Ronaldinho Gaúcho – Ronaldo – Adriano) só existia no papel. Uma versão diferente, com Robinho no lugar de Ronaldo, venceu a Argentina por 4 a 1 na final da Copa das Confederações, em 2005. “Parreira tinha virado refém de um time criado pela imprensa, cultivado pelos torcedores, mas que na verdade nunca existiu. Não é mais possível retornar ao antigo esquema 4-2-4”, diz o colunista gaúcho Ruy Carlos Ostermann, do jornal Zero Hora e da Rádio Guaíba, um dedicado estudioso de futebol. Ciente da fama que carrega, o treinador teme ser eternamente colado à imagem de retranqueiro. Logo depois da vitória por 2 a 0 contra a Austrália, ele respondeu à primeira pergunta de um jornalista na coletiva de imprensa com evidente incômodo. “Tirei dois atacantes – Ronaldo e Adriano – e coloquei no lugar outros dois, Robinho e Fred”, apressou-se em explicar, sorrindo.

A primeira fase do Mundial expôs algumas evidências. Ronaldo e Adriano não
podem atuar juntos. Com essa dupla de peso, Ronaldinho Gaúcho, acostumado
no Barcelona à movimentação de seu companheiro de ataque, o camaronês
Samuel Eto’o, some. E Kaká fica sobrecarregado. O time, enfim, pára de funcionar.
O plano B apareceu em Dortmund e já permite otimismo. Ele pressupõe a entrada
de Robinho, leve como Bebeto em 1994, e a permanência de Juninho Pernambucano. As oitavas-de-final contra Gana determinarão não apenas o futuro
do Brasil na Copa, mas também a cara do time. “Se ganharmos, a Seleção Brasileira terá sido campeã. Se perdermos, quem perderá é o time do Parreira”, diz o técnico.
O escritor e jornalista José Roberto Torero resume o impasse. “Parreira é teimoso
ou convicto”, crava. “Só se sabe a diferença entre a teimosia e a convicção depois
do resultado. Se deu errado, foi teimosia. Se deu certo, foi convicção.” Parreira
iniciou a semana como turrão e a terminou como estrategista. O desafio de Gana
é o próximo passo desse embate.