Deuses americanos (Conrad, 448 págs., R$ 45) é um livro que desperta amor e ódio. Por um lado, provoca, excita e encanta. Por outro, perturba o clima onírico das histórias em quadrinhos que consagraram seu autor, o inglês Neil Gaiman. A similaridade com Sandman: o mundo dos sonhos, espécie de nobreza dos quadrinhos, chega a irritar o leitor comum, pouco afeito ao gênero. É uma trama encharcada de situações mágicas e esquisitas, além de personagens que entram e saem o tempo todo. Não é um livro fácil, mas é impossível parar de ler de tão bem encadeado. O começo mostra-se normal: Shadow está prestes a terminar os três anos de prisão a que fora condenado por um homicídio não cometido. Ele só pensa em voltar para os braços de Laura – a mulher amada que o visitou regularmente na cadeia –, arranjar um emprego decente e nunca mais ter minutos vazios e vagarosos na vida. A uma semana da partida, o diretor da prisão manda chamá-lo e diz: “Boa notícia, vamos deixar você sair mais cedo. Má notícia, sua mulher está morta.” Nas ruas, ainda entorpecido, a pior das pancadas: Laura morrera praticando sexo oral com um dos melhores amigos do casal, motivo pelo qual o carro em que estavam capotou.

A partir daí, começa o livro louco. Morta, Laura volta como fantasma, ainda sedutora. Para fugir de tudo, Shadow passa a viver perigosamente. Neste terreno, tudo pode acontecer. Um homem é engolido pela vagina de uma prostituta; Lucy, do seriado I love Lucy, conversa com ele de dentro da televisão; figuras sinistras, dogmas, terror, mistério, grandeza e vaidade humana aparecem personificados ou como metáfora. Para o protagonista, porém, tanto faz. A vida já perdeu o sentido.