21/06/2006 - 10:00
A cada 45 dias, quando os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) se reúnem para definir a taxa básica de juros do Banco Central, a Selic, a economia real entra em expectativa. Especuladores fazem suas apostas, industriais revêem seus investimentos, trabalhadores temem por seus empregos. Esse estado de nervosismo ganhou até o apelido de TPC, Tensão Pré-Copom. No final, qualquer que seja o resultado, as reclamações sempre superam os elogios.
Desde que foi instituído, em 20 de junho de 1996, o Copom suscita paixões, intriga e irrita o Brasil com suas decisões. Para seus críticos, os juros ora sobem demais, ora descem de menos. Uma vez, 200 sindicalistas improvisaram um altar em frente à sede do BC, em Brasília, acenderam velas e entoaram ladainhas para iluminar as cabeças de seus integrantes e exorcizar os juros excessivos. Na terça-feira 13, o Senado promoveu um debate com o presidente do BC, Henrique Meirelles, para tentar desvendar os enigmas do Copom. Meirelles falou muito, mas pouco revelou, para decepção dos políticos presentes. “As reuniões do Copom são tão importantes que deveriam ser transmitidas ao vivo pela tevê”, sugere o senador Eduardo Suplicy, do PT. Provavelmente, seria o programa mais chato da tevê. Mas a proposta dá a dimensão exata da importância que o Copom conquistou.
O comitê, criado na gestão de Gustavo Loyola no BC, institucionalizou e deu peso a uma decisão que antes era tomada diariamente pelo diretor de política monetária, na abertura do mercado, e executada pelo chefe de departamento do mercado aberto – herança dos tempos da inflação elevada. Depois do Copom, entraram formalmente no processo não só o presidente do BC como todos os demais diretores e chefes de departamento. Eles se reúnem durante dois dias e discutem todos os aspectos envolvidos antes de definir a taxa Selic, geralmente por consenso. A decisão, a portas fechadas, é comunicada ao mercado e formalizada em ata, que é divulgada impreterivelmente às 8h30 da manhã da quinta-feira posterior à reunião. “Hoje, o Copom representa um avançadíssimo e maduro grau de institucionalização do processo de decisão da política monetária”, avalia Meirelles.
Concorda com ele o economista Gustavo Franco, ex-presidente do BC e um dos primeiros integrantes do comitê. “A decisão do Copom carrega todo o peso institucional do Banco Central do Brasil, o guardião da moeda. Pode parecer trivial hoje, mas era tudo menos trivial quando foi criado”, diz Franco. “É como se vestíssemos uma roupa especial, num lugar especial, para nos imbuirmos da responsabilidade da decisão”, explicou Armínio Fraga, ex-presidente do BC. No início, reza a lenda que os próprios participantes do Copom o viam com certa desconfiança, o que exigia um empenho pessoal do diretor de política monetária, Francisco Lopes, para garantir o quórum nas reuniões. “Alguns achavam que o Copom era uma excentricidade minha”, comentou Lopes.
Houve momentos de grande tensão nos primeiros anos. Em outubro de 1997, com a crise da Ásia, uma reunião extraordinária elevou os juros de 20,7% para 43,4% ao ano. Em setembro de 1998, com a crise da Rússia, a Selic foi de 19% para quase 49,75%. As discussões foram acaloradas. Faltavam dois meses para o pleito presidencial e Fernando Henrique Cardoso disputava a reeleição. “Alguém sustentou que aumentar os juros naquele momento seria dar um tiro no pé. Respondi que preferia dar um tiro no pé a enfiar uma bala na cabeça”, lembra Lopes. Para Gustavo Franco, aquela decisão do Copom foi a mais complexa de todas: “Foi uma extraordinária demonstração de independência, um marco na história do BC e da despolitização da moeda no Brasil.”
Hoje, 119 reuniões depois, o Copom firmou-se como o principal instrumento do BC para executar o mandato que recebe do Conselho Monetário Nacional: manter a inflação dentro da meta pretendida pelo governo. O Copom tenta fazer isso calibrando a Selic, que define a remuneração dos títulos públicos e influencia toda a economia. O sistema de metas, instaurado em 1999 por Armínio Fraga, depois da adoção do câmbio flutuante, prevê uma taxa central de inflação – a de 2006 é de 4,5% – e uma margem de tolerância de dois pontos porcentuais, para cima ou para baixo. Se a inflação for menor ou maior que isso, o BC tem de se explicar e seu presidente pode ser até demitido.
Sob a batuta de Henrique Meirelles desde o primeiro ano do governo Lula, o Copom ganhou uma independência quase total – e pratica uma ortodoxia sem paralelo no País. Meirelles assumiu num momento de muito nervosismo. Durante as eleições de 2002, os mercados entraram em convulsão por causa do “risco Lula”. Na primeira reunião daquele ano, o Copom de Meirelles subiu a Selic de 26% para 26,5% – e parou nesse patamar, sinalizando uma gestão cautelosa. Em abril, os sinais de recessão eram fortes. Começaram as pressões para a queda dos juros. Os ministros José Dirceu e Antônio Palocci e o presidente Lula pressionaram Meirelles. Para o presidente do BC, a reunião de maio de 2003 foi o momento mais importante da sua gestão. O Copom resistiu e manteve os juros em 26,5%. Nos meses seguintes, os cortes recomeçaram em doses homeopáticas. Em agosto, Meirelles achava que chegara a hora de ceder um pouco mais. Ilan Goldfajn, então diretor de Política Econômica, defendeu a cautela e ganhou o debate. O corte foi moderado, de 24,5% para 22%. Depois, Goldfajn foi substituído pelo ultra-ortodoxo Afonso Bevilaqua.
Há três meses, com a ascensão de Guido Mantega ao Ministério da Fazenda, o Copom vem enfrentando um novo bombardeio cerrado. As eleições estão chegando e Mantega quer acelerar a queda dos juros, hoje em 15,25%. Rodrigo Azevedo, diretor de Política Monetária, e Alexandre Tombini, diretor de Estudos Especiais, têm defendido a queda mais acelerada da Selic. Será que, desta vez, o Copom vai resistir à tentação de ajudar a reeleição do presidente? Numa conversa recente, Lula pediu mais uma vez a Meirelles para que sensibilize o comitê. O presidente do BC desconversou: “Vou ver. Sabe como são os caras lá, cada um é um voto.”