21/06/2006 - 10:00
Varig é igual às crianças – tem um anjo da guarda. A constatação é do juiz Luiz Roberto Ayoub, comandante da recuperação judicial da companhia aérea na 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. Ele nega ser o tal anjo da guarda, mas está atento aos seus apelos para manter a empresa no ar. Na semana passada, numa demonstração de bom senso diante da gravidade da situação e da importância da Varig para o Brasil, Ayoub adiou por tempo indeterminado a decisão sobre o destino da companhia. E foi além: assumiu o papel de negociador e recebeu novos investidores interessados, na quarta-feira 14. Nos Estados Unidos, onde a empresa sofre processos para devolver aviões arrendados e turbinas, outro juiz, Robert Drain, do tribunal de falências de Nova York, estendeu por uma semana o prazo da liminar que impede a apreensão de 25 aeronaves. A mensagem de ambos é clara: ainda dá para salvar a Varig.
Como num quebra-cabeça, as peças estão todas na mesa. Há boa vontade da Justiça, novos investidores interessados, promessa de financiamento de dois terços da compra pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e um esforço sobre-humano dos funcionários da Varig para mantê-la voando. Mas juntar as partes e preservar o todo não é tarefa simples. O juiz Ayoub está explorando novas combinações. Recebeu na quarta-feira o presidente da portuguesa TAP, Fernando Pinto, que reafirmou seu interesse na Varig e está tentando montar um consórcio com o fundo canadense Brookfield e a Air Canadá. E também reuniu-se com o ex-presidente da Varig Log José Carlos Rocha Lima, presidente da Syn Logística e associado do fundo Carlyle, um gigante financeiro dos Estados Unidos com ativos de US$ 39 bilhões.
Se as conversas prosperarem, Ayoub poderá fazer um novo leilão. No anterior, realizado em 8 de junho, somente uma proposta foi apresentada. A NV Participações, consórcio de investidores que inclui a associação Trabalhadores do Grupo Varig (TGV), ofereceu R$ 1,01 bilhão pela empresa. Não foi divulgado o nome dos investidores estrangeiros que apoiariam os trabalhadores. Uma das possibilidades é que os novos interessados se unam ao NV para comprar a Varig.
A proposta dos funcionários foi detalhada em documento de 29 páginas e apresentada à Justiça na quarta-feira 14, quando se esperava uma decisão final sobre sua aceitação ou a decretação da falência – opção extrema que o juiz tenta evitar. “O que interessa a nós, observando as normas legais, é aplicar o Direito para salvar uma empresa que é viável. A falência só se justifica quando a empresa se mostra nociva à sociedade”, afirma Ayoub. Para o economista Paulo Rabello de Castro, consultor do TGV, é possível equacionar a situação da companhia se for seguido o plano de recuperação judicial aprovado em dezembro de 2005. “A Varig é recuperável”, diz.
Enquanto a solução final não aparece, os problemas operacionais da Varig se agravam. Na semana passada, foram cancelados mais de 70 vôos nacionais e internacionais. Foram afetados passageiros que iriam para cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Natal, Vitória, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Montevidéu (Uruguai) e Paris (França). A Varig faz cerca de 180 vôos por dia e sua participação de mercado é cobiçada pelas concorrentes.
O governo federal, que deve R$ 4,5 bilhões à companhia por conta de congelamento de tarifas no passado, parece mais preocupado em dividir o espólio da Varig do que em salvar um patrimônio nacional. O plano de emergência para o caso de falência está sendo feito com estardalhaço pelo presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, Milton Zuanazzi. Ele reuniu-se na quarta-feira com os presidentes da Gol, da Ocean Air, da BRA e com diretores da TAM e da Webjet. O Itamaraty, sem a discrição necessária, colocou em alerta as embaixadas do País no Exterior.
Felizmente, a torcida contra a Varig não abalou seu anjo da guarda nem o juiz Ayoub. Ele corre contra o tempo e já dá sinais de esgotamento físico. Sua pressão máxima chegou a 16 na quarta-feira, véspera do feriado de Corpus Christi. O juiz aproveitou a folga e retirou-se para Lumiar, um distrito de Nova Friburgo, a quase 150 quilômetros do Rio. “Vou estudar com tranqüilidade todas as possibilidades”, afirmou.