21/06/2006 - 10:00
Como a maioria dos adolescentes, Caio Aidar, 15 anos, e Carolina Pinheiro, 14, abusam das gírias, usam roupas largadonas e adoram namorar. O que os difere dos garotos de sua geração é que já aderiram a um programa de adulto, avançado para quem apenas acabou de concluir o ensino fundamental: o sexo. O casal engatou o namoro em dezembro do ano passado e, desde março, mantém relações sexuais. É natural achar que eles tenham ultrapassado o sinal com velocidade demais, mas estudos mostram que a emblemática “primeira vez” começa mesmo cada vez mais cedo. Segundo a psiquiatra Carmita Abdo, diretora do Projeto Sexualidade da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), nas últimas quatro décadas, a idade de iniciação sexual da mulher baixou cinco anos e a dos homens um ano e meio. A média hoje é de 15 anos para meninos e meninas, o que aumenta também as chances de a primeira relação acontecer entre dois parceiros virgens. Se, antigamente, sexo entre duas pessoas que nunca transaram era mais difícil de acontecer, hoje, é exatamente o oposto. Com medo de fazer feio na hora H, os jovens têm preferido transar com parceiros inexperientes.
Caio e Carol são amigos de infância e chegaram a namorar quando ainda estavam na sétima série. “Nossas mães nos conhecem desde que temos 11 anos”, conta Carol. “E desde que demos o primeiro beijo não passamos nenhum ano sem ficar pelo menos uma vez”, completa Caio. As mães do casal, Sofia Aidar e Paula Veneroso, acabaram ficando amigas e os jovens dormem um na casa do outro, quase todos os fins de semana. “Sabemos que as coisas acontecem quando têm que acontecer. É melhor que eles durmam aqui do que mintam para a gente e se coloquem em risco”, diz Sofia, mãe de Caio.
A liberdade que os jovens têm com seus pais, provavelmente, os fará passar sem apuros pela delicada descoberta da sexualidade. Mas nem todos os jovens encontram o mesmo cenário. O medo de conversar com os familiares e o tabu do sexo antes do casamento imperam em muitos lares brasileiros e transformam esse dilema em algo solitário. E os jovens acabam obrigados a descobrir sozinhos a importância do uso de preservativos e o risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis, além de enfrentarem o medo de falhar e de sentir dor. Temores que uma boa conversa entre pais e filhos ajudaria a espantar.
Autora de Descobrimento sexual do Brasil (Summus Editorial, 144 págs, R$ 31), bíblia de estatísticas sexuais do País, Carmita Abdo afirma que 40,6% dos
jovens entre 18 e 25 anos têm ou tiveram dificuldade de controlar a ejaculação.
“Não conseguir satisfazer a parceira é o segundo medo mais freqüente, com
38%”, diz. Já para as garotas, o maior problema é a falta de prazer. “Mais de
50% delas não conseguem atingir o orgasmo e 25% não se excitam durante o ato”, conta. Mas nada que não possa ser corrigido com o passar do tempo. Afinal, quanto mais a mulher se tocar e conhecer o próprio corpo, mais fácil será entender seus mecanismos e reações.
Hoje, mais de 40% dos jovens recorrem aos pais para esclarecer suas dúvidas e em torno de 25% contam com a ajuda de amigos. “Antigamente era o oposto: entre os entrevistados, menos de 20% conversaram com seus pais e a imensa maioria foi orientada por amigos”, completa Carmita. Segundo o sexólogo paulista Moacir Costa, criador do projeto Amar Bem – um disque dúvidas sobre sexualidade –, 59% dos homens não conversam sobre sexo nem com seus médicos. “Não é, portanto, de se estranhar que eles também não o façam com seus filhos”, alerta. E isso precisa mudar. “Além de se conscientizar para a importância do preservativo, o adolescente precisa ter liberdade para tirar suas dúvidas e esclarecer seus medos”, conta Costa.
Mas a coisa não é tão simples assim. Até para pais psicólogos é difícil conversar sobre sexo com seus filhos. As linhas tênues entre respeito e distância e entre interesse e invasão de privacidade constrangem até os pais mais desenvoltos.
O psicólogo social Odair Furtado, um dos mais respeitados do País em sua área, que o diga. Pai dos adolescentes Tomás, 15 anos, e Caio, 11, sempre conversou abertamente com os filhos, até que Tomás começou a namorar firme. “Sou bom
de conversa, mas não quero ser invasivo e sair perguntando sobre coisas que
talvez ele não queira me contar”, diz Furtado. “Por outro lado, certos temas,
como a importância do preservativo, têm que ser discutidos.” De acordo
com Furtado, cabe aos pais perceber o momento e o jeito certo de travar essa conversa. “Os adolescentes têm que se sentir amparados e à vontade para perguntar o que quiserem. E os pais, por sua vez, não podem usar do poder da hierarquia paterna para pressioná-los a dizer o que não querem. Todo mundo
tem direito à privacidade.”
Tomás sabe disso e acha que a melhor maneira de um pai ajudar o filho a enfrentar seus medos é chamando-o para um bate-papo. “Tem que dizer: ‘Filho, vamos conversar só nós dois agora, coisa de homem, topa?’”, ensina. “Uma vez que foi tudo falado, o pai não pode ficar insistindo em perguntar se a primeira transa já rolou, de que jeito e com quem. Quando for a hora, a gente conta”, completa o adolescente. “Também acho”, reforça Caio.
Os índices de gravidez indesejada entre adolescentes são muito altos, o que amplia a necessidade de uma conversa. Segundo a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, das 650 mil crianças que nascem por ano na rede pública do Estado, 107 mil são filhos de adolescentes dentre 12 e 19 anos. Por mais que os jovens achem que já sabem tudo, é sempre melhor pecar pelo excesso do que pela falta de informação. A sexóloga brasiliense Liany Santos sabe disso e, por mais que sua filha Lara – hoje com 16 anos – torcesse o nariz sempre que ela tentava conversar sobre a importância do preservativo, não desistiu da batalha. “Quando ela fez 11 anos, comecei uma campanha com revistas, livros e sites de informação”, conta Liany.
A empreitada funcionou e Lara tem hoje muita desenvoltura e segurança ao falar sobre sua sexualidade. “Confesso que achava meio chata a insistência, mas hoje sei quanto isso me ajudou. Perdi a virgindade há seis meses, com meu namorado, e logo contei para os meus pais”, recorda. “Ficávamos o tempo todo perguntando se já tinha rolado”, lembra o pai, o músico Jairo Diniz. E Lara sempre negando. “Até que um dia ela vira e diz: ‘Pai, mãe, preciso contar uma coisa para vocês: transei’”, resume Diniz. Para quem ainda vive os dramas e medos diante do desconhecido mundo do sexo, os conselhos de Lara são: “A primeira vez tem de acontecer quando a pessoa quiser, nunca sob pressão. É preferível perder a virgindade tarde, de um jeito legal, do que cedo, de um jeito ruim.”
O que ela talvez não saiba é que entre as adolescentes americanas, conforme estudo divulgado no início do mês, é preocupante o número de garotas virgens que faz sexo não por vontade, mas por pressão dos namorados. A pesquisa, conduzida por uma pediatra da Universidade de Indiana, analisou históricos de 279 garotas entre 14 e 17 anos, e 41% delas afirmaram ter feito sexo por medo de desagradar aos parceiros. Uma pena. “Precisamos ter maturidade para entender o que estamos fazendo”, afirma a adolescente carioca Marcella Rica, 14 anos.
Atriz, aluna do primeiro ano do ensino médio e repórter mirim, Marcella é aquela garota que até o início do ano aparecia em alguns quadros do Fantástico, da Rede Globo, entrevistando adolescentes. Apesar da desenvoltura com as câmeras, não gosta de falar de sua intimidade. “Tenho vergonha”, diz. “Mas sei que conversar sobre sexo é o primeiro passo para resolver tudo com naturalidade. Converso muito com a minha mãe e, quando achar que chegou a hora da minha primeira vez, falarei para ela também”, conta a jovem, que está namorando, mas, pelo visto, ainda não acha que está pronta. “Hoje em dia é muito comum as meninas perderem a virgindade cedo, isso depende de cada
um. Para mim, tudo tem seu tempo”, conclui.