Ji-í-co. É o próprio Zico quem soletra calmamente o modo como os japoneses acostumaram a chamá-lo desde que, em 1991, transformou-se no Charles Muller de Tóquio, o introdutor do futebol naquelas plagas. “Não é Dico, nem Djico, porque dito assim, em japonês, significa batida de carro”, ensina. Ji-í-co e Zico entrarão em campo na quinta-feira 22, no estádio de Dortmund, na terceira partida de ambos na primeira fase da Copa. Entrarão em campo o treinador da seleção japonesa e o Galinho de Quintino, o filho de portugueses que fez história no Flamengo e na Seleção comandada por Telê Santana em 1982, na Espanha. É um drama que nem mesmo o intérprete que o acompanha o tempo todo, Kunihiro Suzuki, é capaz de traduzir. “Apesar de tudo, sempre fui reconhecido no Brasil, especialmente pela torcida rubro-negra, a quem devo carinho”, afirma. “Mas no Japão, acho, foi tudo mais rápido.”

Mas o que, afinal de contas, ele sentirá na hora do jogo? “Até a hora do hino, reconheço, será bem difícil”, disse a ISTOÉ. “Mas depois é profissionalismo – e eu quero ganhar.” Seria uma vitória que, de algum modo, poria as coisas no lugar. Zico deixou a Seleção Brasileira, depois do vice em 1998 (trabalhou como coordenador técnico), magoado com a CBF. Há recíproca. Ricardo Teixeira não esconde o prazer de tirar três pontos do eterno flamenguista. “Ele fala muita bobagem”, Teixeira costuma dizer em voz baixa a interlocutores. Induzido a comentar o que faria caso fosse convidado a assumir o comando do Brasil, se a chance representaria um sonho de maturidade, vai direto ao ponto. “Tive um único sonho na vida e cumpri: jogar com a camisa 10 do Flamengo”, resume. “Hoje só sonho dormindo.” Pelo menos até o 12 de junho antes da derrota de 3 a 1 para a Austrália em Kaiserslautern. Foi uma tarde de pesadelo. Até os 39 minutos do primeiro tempo, o Japão vencia por 1 a 0. Tomou a virada em oito minutos.

O colapso da partida inaugural provocou ataques da imprensa japonesa, que acusa Zico de ter feito as substituições erradas. O primeiro ministro Junichiro Koizumi, porém, saiu em defesa do brasileiro, figura popular e querida, personagem de mangás e videogames que tem uma estátua em solo japonês. É uma justa homenagem. Em janeiro de 2005 o filho de um dos líderes da torcida do Kashima Antlers, primeira equipe de Zico no Japão, nasceu com uma má formação genética do aparelho digestivo. Morreria caso não fosse realizado um transplante de órgãos. O camisa 10 da Gávea entrou na campanha de arrecadação por meio de seu site na internet e entrevistas na televisão. Em duas semanas reuniram US$ 1,3 milhão. “Fiquei impressionado”, diz ele. É popularidade difícil de ruir, até porque no Japão as derrotas em Copa não condenam seus personagens à execração, como aconteceu com Barbosa em 1950 e o próprio Zico em 1986, ao perder o pênalti no jogo contra a França de Platini, no México. Mas o susto da estréia em 2006, este ficará marcado para sempre. “A derrota nos deixou de coração partido”, disse Zico. “Além do mais, a diferença de dois gols pode ser decisiva contra nós.” Não é fácil a vida em Copas do Mundo do Galinho, um dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos. A partida contra o Brasil é um novo capítulo dessa trajetória.