21/06/2006 - 10:00
Uma fechada no trânsito e lá vem uma vontade incontrolável de esmurrar o motorista do outro carro. O marido responde um pouco atravessado e pronto: lá vai o cinzeiro na testa do esposo. Vistas normalmente apenas como manifestações de temperamentos impulsivos, essas situações podem ser os sintomas de uma doença chamada Distúrbio da Explosão Intermitente. E há muito mais indivíduos portadores do problema do que se imagina, de acordo com uma pesquisa feita pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e publicada na última edição da revista Archives of General Psychiatry, uma das bíblias da área de psiquiatria. Segundo o trabalho, só nos EUA há 16 milhões de pacientes, quantidade superior à de doentes com esquizofrenia.
O distúrbio é definido por crises repentinas e muito fortes de raiva desproporcionais à situação geradora do sentimento. É, por exemplo, machucar seriamente – ou tentar ferir – o colega do escritório só porque ele não quis ajudar em uma tarefa. A violência também inclui atirar objetos e danificar móveis ou propriedades no momento da fúria. Para que um indivíduo receba o diagnóstico, é preciso que ele tenha apresentado três ou mais episódios na vida. No estudo, os portadores manifestaram em geral 43 ataques. O número inquietou os coordenadores do trabalho, Emil Coccaro e Ronald Kessler. “Trata-se de um problema de saúde pública, pois cada uma das crises pode fazer múltiplas vítimas, inclusive o paciente”, afirma Kessler. De fato, se forem tomados como base os 16 milhões de americanos irados agredindo pelo menos um outro indivíduo, na melhor das hipóteses haverá 32 milhões de cidadãos em risco de perder a vida.
As crises também não podem ter sido geradas por outros distúrbios psiquiátricos, como o transtorno de hiperatividade e déficit de atenção ou pelo transtorno bipolar, caracterizado pela alternância entre euforia e depressão.
Embora ainda não se conheçam as causas reais da enfermidade, a doença está associada a um desequilíbrio na produção ou aproveitamento da serotonina, uma substância do cérebro que participa da regulação do humor. A desordem parece produzir também efeitos colaterais como o alcoolismo e o consumo de drogas. Entre os 9,2 mil participantes do estudo, 82% eram dependentes químicos ou bebiam habitualmente. “Em alguns casos, o paciente procura inconscientemente remediar o desequilíbrio de serotonina com álcool ou drogas. Isso piora ainda mais seu estado”, diz Kessler. Outro fator preocupante é que o problema surge cedo – a idade média do primeiro ataque é 14 anos.
O transtorno é mais comum em homens. O tratamento compreende o uso de antidepressivos, psicoterapia, principalmente a focada em modificação de comportamento, e exercícios de controle de raiva. Há também iniciativas que adotam métodos mais diferentes, como a meditação transcendental e a hipnose. Porém, o grande problema é que nem todos os médicos têm conhecimento sobre esta desordem. Além disso, o diagnóstico é dificultado em razão da falta de informações mais precisas sobre as origens e os mecanismos de ação da doença. Sua identificação é feita a partir de uma extensa análise da história de problemas médicos e de comportamento apresentados. O processo é conduzido por um psiquiatra ou psicólogo após a realização de testes psicológicos e entrevistas. E, para piorar a situação, não há uma maneira de prevenir o mal. No entanto, uma vez identificado, as chances de controlá-lo são boas