A diabete é uma doença subestimada. Apesar de velha conhecida – foi
descrita pela primeira vez por volta do ano 70 d.C. –, ela faz novas vítimas em ritmo assustador. Tanto é verdade que em duas décadas o número de diabéticos no mundo saltou de 30 milhões para 230 milhões. E, se a epidemia continuar a crescer, ela atingirá 350 milhões de indivíduos em 2025. A estimativa é da Federação Internacional de Diabete, que lançou uma campanha de alerta durante o 66º Congresso da Associação Americana de Diabete, ocorrido em Washington na última semana.

Segundo a entidade, a diabete toma tantas vidas quanto a Aids. Uma a cada
dez segundos. Isso por si só seria suficiente para o alarme. Porém, a federação reforça sua preocupação com outra marca da epidemia. Ela se expande
rapidamente entre as populações menos favorecidas. Em 2025, 80% dos casos
do tipo 2 da enfermidade, o associado à obesidade e ao sedentarismo (o tipo 1
é congênito), deverão estar concentrados nas nações pobres ou em desenvolvimento. Na Índia, 6% dos adultos são diabéticos. No Oriente Médio, esse porcentual beira os 12%. Por aqui, acredita-se que mais de sete milhões de brasileiros estejam nessas condições. “A doença está emergindo como uma das maiores catástrofes já vistas. A epidemia esmagará as receitas destinadas para a saúde se os governos não agirem agora”, declarou Martin Silink, o presidente eleito da entidade. De fato, como o mal compromete diversos órgãos, se ele não for bem controlado, o resultado será o aparecimento de problemas como o derrame e a cegueira. Ou seja, há os custos do tratamento e os relativos às conseqüências da falta de acompanhamento adequado. Para 2007, avalia-se que o mundo gastará entre US$ 215 bilhões e US$ 317 bilhões com a diabete. Dentro de 20 anos, essa quantia subirá para até US$ 411 bilhões.

Mas o congresso da associação americana reservou também boas notícias. Uma das mais importantes foi comprovar a eficácia de uma linha terapêutica recente. O foco da ciência está nas substâncias que interferem no funcionamento das incretinas, hormônios fabricados pelo sistema gastrointestinal. Eles são liberados depois que a pessoa ingere os alimentos e ajudam a regular o nível de glicose (açúcar) no organismo. Entre esses hormônios está o GLP-1, que estimula o pâncreas a produzir insulina. Além disso, ele suprime outro hormônio, o glucagon, que faz com que o fígado libere para o sangue o açúcar que tem estocado. Quando o indivíduo é saudável, o processo está em equilíbrio. Nos diabéticos, falta insulina e o glucagon está em excesso.

Os especialistas já conheciam as incretinas, mas apenas recentemente compreenderam melhor seu funcionamento. Antes não podiam tirar maior
proveito do GLP-1 porque a substância tem vida curta no sangue. Até que
surgiu a classe dos miméticos de incretina, os remédios que imitam a ação
do hormônio. “São drogas de longa duração e inteligentes. Baixam o nível de
glicose até o normal. Com a insulina, é preciso atenção porque ela pode
reduzir demais essa taxa, causando hipoglicemia, capaz de provocar até coma”, explica o endocrinologista Antonio Chacra, da Universidade Federal de São
Paulo. Os novos medicamentos são injetáveis e estão destinados a portadores de diabete do tipo 2 que ainda fabricam insulina.

Um dos remédios que imitam o GLP-1, a exenatida demonstrou-se eficaz para diminuir a glicemia (taxa de açúcar) e reduzir o peso, um efeito considerável, já que a obesidade é fator de risco para a evolução da doença. O tratamento resultou na perda média de 1,5 quilo em dois anos. Mas houve paciente que emagrecesse muito mais (alguns diminuíram até dez quilos). Outro medicamento funciona de modo semelhante. É o liraglutide, que está em fase experimental. Num estudo de 14 semanas, os pacientes manifestaram redução no nível de açúcar e uma perda de três quilos. “Com os miméticos, os pacientes deixam de ter fome. E eles provocam uma lentidão do esvaziamento gástrico”, afirma a endocrinologista Adriana Forti, da Universidade Federal do Ceará. Isso quer dizer que se leva mais tempo para a sensação de estômago vazio. A médica desenvolveu um estudo com exenatida e os voluntários perderam cerca de quatro quilos no período de um ano. Agora, Adriana fará uma pesquisa com o liraglutide.

Ainda em relação ao sistema das incretinas, há mais uma classe de remédios que está para ser lançada. Eles atuam sobre outra parte do processo, bloqueando a enzima DPP-4, que destrói o GLP-1. Há três drogas em estudos avançados: sitagliptina, vildagliptina e saxagliptina. A expectativa é de que as duas primeiras sejam aprovadas nos EUA no segundo semestre. Já que essas novas linhas agem no mesmo mecanismo, qual delas usar? “Depende das condições do paciente. Os miméticos são indicados para aqueles em que os produtos convencionais não controlam mais a glicemia”, diz o médico Michael Nauck, diretor do Diabeteszentrum Bad Lauterberg, hospital alemão especializado na doença.

Mais estudos trouxeram novos achados sobre a diabete. Uma pesquisa de três anos com a droga ruboxistaurina demonstrou redução de 41% no risco de cegueira em doentes que sofriam de comprometimento visual moderado a grave. E um trabalho com 3.187 voluntários revelou que o consumo de antidepressivos está atrelado a chances maiores de aparecimento da enfermidade em indivíduos pré-diabéticos (quando os valores de glicose estão acima do normal, mas não atingiram as taxas que caracterizam a doença). Os que usaram antidepressivos dobraram o risco de desenvolver o mal. “Algumas dessas drogas engordam, mas esse fator não parece ser o principal determinante. O risco se elevou até com pílulas que não têm tanto efeito sobre o peso”, contou o americano Richard Rubin, co-autor da pesquisa. Enquanto não se descobre o motivo real da interferência do antidepressivo, ele recomenda a quem sofre de depressão que reavalie a medicação com um especialista, caso esteja com pré-diabete. Nessa situação, vale a pena investir fortemente numa receita comum: atividade física regular e controle da dieta.