21/06/2006 - 10:00
Na manhã da quarta-feira 14, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) chegou cabisbaixo ao seu gabinete. Recebeu um enfermeiro do serviço médico do Senado que lhe aplicou uma injeção de insulina (ele é diabético) e, antes de se despedir e embarcar para Porto Alegre, reuniu seus funcionários. “Perdi a parada da candidatura própria à Presidência; agora vou para o Rio Grande do Sul tratar da minha vida, tentar recuperar a chance de me eleger para mais um mandato no Senado”, disse a eles. “Espero ter a ajuda de vocês para não perder mais uma”, completou, com os olhos marejados. Foi o ato final da política que a cúpula peemedebista resolveu protagonizar nas eleições deste ano, renegando a origem combativa de um partido que nasceu para se contrapor à ditadura e mostrar novos caminhos para o País. Trata-se do maior partido do Brasil. Tem mais de dois milhões de filiados e cerca de 15 milhões de simpatizantes. Mais de oito mil vereadores. Mais de mil prefeitos. Um gigante com cabeça de anão. Ao desistir de disputar a Presidência da República, o PMDB se omite do dever de apresentar à sociedade o seu projeto para o País. Poderia ter usado essa máquina para tentar eleger seu próprio candidato e mudar o cenário de uma polarização eleitoral artificial entre o PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PSDB de Geraldo Alckmin. Trocou um projeto próprio pela possibilidade de ter três ou quatro ministérios num eventual segundo governo do presidente Lula. Postos, aliás, que não serão tratados com o partido como um todo, mas apenas com o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e o senador José Sarney (AP), com o auxílio de alguns satélites hoje de menor expressão, como os deputados Jader Barbalho (PA) e Geddel Vieira Lima (BA).
“Entregamos o comando do partido a uma Legião Estrangeira; nenhum deles tem compromisso de fato com a história e a tradição do MDB”, critica Simon. “Isso tudo é muito triste”, constata. A tese da candidatura própria do PMDB foi sepultada na segunda-feira 12, numa reunião da Executiva do partido em Brasília. Prováveis aliados de Simon, como o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia ou o senador Sérgio Cabral (RJ), simplesmente faltaram ao encontro. O presidente do partido, Michel Temer, absteve-se de votar. Assim, com os votos apenas de 12 governistas, o PMDB conferiu um ar de unanimidade à decisão de que não terá candidato próprio nem apoiará oficialmente ninguém nas eleições deste ano.
Por sua força, uma eventual candidatura peemedebista poderia na pior das hipóteses levar a eleição para o segundo turno. Quando desistiu de ser candidato e resolveu apoiar o nome de Simon, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho tinha 15% das intenções de voto. Mesmo que não tenham optado pelo apoio oficial a Lula, o fato de o PMDB não entrar na disputa presidencial é um imenso favor feito ao presidente. Assim, tão logo a reunião da Executiva do partido acabou, Renan, Sarney e Jader foram ao Palácio do Planalto comunicar o resultado a Lula. Rapidamente apresentaram a ele a fatura. “Presidente, conseguimos reverter o jogo. É a hora, então, de resolvermos as questões pendentes”, disse Renan. A principal “questão pendente”, Renan espera ver resolvida até a segunda-feira 19. O PMDB retomará o Ministério da Saúde. E estão cotados para ocupá-lo ou o presidente da Fundação Nacional de Saúde, Paulo Lustosa, ligado a Sarney, ou o ex-secretário de Saúde do governo Divaldo Suruagy em Alagoas José Vanderley, o segundo suplente de Renan no Senado. E será um Ministério de “porteira fechada”: os peemedebistas poderão indicar todos os cargos de seu interesse na pasta.
Na troca de interesses com Lula, Renan e
Sarney argumentaram que o presidente também ganharia eleitoralmente ao entregar ao partido o
posto com todos os seus cargos. O Ministério da
Saúde tem, disseram, “capilaridade regional”. Ou
seja, empregos para distribuir nos vários Estados e municípios. Assim, os peemedebistas agradam a prefeitos e correligionários, tornando cada um deles
um novo entusiasmado cabo eleitoral do presidente.
À distribuição aberta de cargos, soma-se a oferta
de dinheiro público. O PMDB pressiona para que a escolha do novo ministro aconteça logo porque o
dia 30 de junho é o prazo final estabelecido pela legislação eleitoral para a liberação de emendas orçamentárias. Ou seja, o ministro tem que ser nomeado agora para ter pelo menos duas semanas para soltar as verbas. Renan não esconde suas pretensões. E coleciona mesmo argumentos para defendê-las. “Os governos do Chile e da Alemanha fizeram composições políticas amplas que incluíram, na negociação, a ocupação dos espaços no governo”, compara. “Somente aqui isso ganha conotação fisiológica”, continua.
No jogo da política, a cúpula peemedebista cedeu aos interesses locais. “Prevaleceu o cálculo regional”, avalia Michel Temer. Pelos mapas da própria presidência do PMDB, Lula já tem fechados a seu favor pelo menos nove palanques do partido nos Estados. Pode chegar a 11 e neutralizar vantagens que poderiam ser de Alckmin, como Alagoas (onde Renan apóia o tucano Teotônio Vilela Filho para o governo) ou Maranhão (onde Sarney pede votos para sua filha, Roseana, do PFL). Assim, peemedebistas que Simon esperava que fossem apoiá-lo, como Requião ou Orestes Quércia, optaram pela neutralidade ou pela aproximação com Lula na reta final. “Eu não sei me encaixar nesse tipo de discussão pragmática”, critica. “O MDB que eu fundei não é o PMDB de Renan, Sarney e companhia, mas eu não vou deixar o partido e entregar a eles de bandeja.”