05/12/2002 - 10:00
Pela primeira vez na história da Aids, as mulheres somam 50% dos casos de infecção pelo HIV, o vírus causador do mal, no mundo. A revelação é da agência da Organização das Nações Unidas responsável pelo combate à doença, a Unaids. Na semana passada, a entidade divulgou um relatório comprovando que a enfermidade avança de modo assustador entre o público feminino. O alerta foi dado às vésperas do Dia Mundial de Luta Contra a Aids, realizado no dia 1º de dezembro.
O fato de o HIV estar se propagando com rapidez entre as mulheres era conhecido. A novidade é o empate entre os dois sexos. No Brasil, porém, esse fenômeno ainda não ocorreu. Aqui, a balança continua pendendo para o homem. Nesta semana, o governo apresentará um estudo sobre a doença no País. Ele aponta que a proporção de infectados em 2002 é de 1,7 homem para cada mulher. A média repete a do ano passado, difere pouco da de 2000 (1,8) mas é bem menor em relação a 1985 (25,3 homens para cada mulher). “Há cinco anos, as mulheres são o grupo mais vulnerável”, diz Paulo Roberto Teixeira, coordenador nacional do programa DST/Aids. Por isso, nos últimos três anos, as campanhas passaram a centrar foco na população feminina.
No entanto, não é fácil diminuir a progressão da doença entre as mulheres. Prova disso é que, segundo o estudo brasileiro, na faixa etária dos 13 aos 19 anos o perigo ronda mais a porção feminina. Há 0,6 rapaz infectado para cada moça. A razão para esse crescimento? “A juventude é um fator de vulnerabilidade. Mas existem outros. Nessa faixa, as meninas tendem a transar com homens mais velhos. E elas também estão expostas ao abuso sexual”, explica a psicóloga Vera Paiva, do Núcleo de Estudos para Prevenção da Aids da Universidade de São Paulo.
Esses problemas também atingem países africanos. Em seu relatório, a Unaids informa que em certas nações as jovens se casam com homens bem mais velhos. É uma forma de garantir melhores condições de vida. Sem acesso à informação e devido à histórica submissão feminina, elas não têm condições de pedir aos parceiros que usem camisinha. A África, aliás, é um ponto nevrálgico da luta contra a Aids. Lá, as mulheres são hoje as principais vítimas do HIV. Elas respondem por 58% dos casos de contaminação. A Ásia e o Leste Europeu também são regiões que preocupam. A explicação é, de novo, a submissão. “A atitude passiva da mulher em relação à sexualidade pode levar ao aumento dos índices, principalmente na África. Além disso, ela normalmente cuida primeiro da família, muitas vezes deixando sua saúde de lado”, observa o infectologista Caio Rosenthal, de São Paulo.
Diante do quadro mundial, a pergunta é o que fazer para impedir que a Aids continue se alastrando tão intensamente na população feminina. Teixeira afirma que é importante a mulher ter mais poder de negociação para exigir o uso do preservativo. O ideal também é que ela tenha consciência de que, mesmo casada e sendo fiel ao marido, a prevenção é fundamental. Vera Paiva completa: “É preciso integrar o homem a essa discussão. Não no posto de saúde, e sim nos ambientes em que eles estão mais presentes, como a empresa e o clube”, afirma.
As novas vítimas do HIV |
Um levantamento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) calcula que em 2010 haverá 25 milhões de crianças órfãs no mundo por causa da Aids. Só na África existem hoje 13,5 milhões de menores de 15 anos que perderam um ou ambos os pais, vítimas da doença. “É complicado combater a Aids em lugares nos quais as pessoas não têm nem mesmo o que comer”, justifica Josefa Marrato, oficial de projetos da Unicef em Pernambuco. A entidade também estima que existam no mundo três milhões de crianças com HIV. Na opinião de organizações não-governamentais brasileiras, os governos devem investir mais em programas de prevenção e detecção da doença. Uma das formas de fazer isso é incentivar a gestante a fazer o exame para saber se é portadora do vírus. Se o teste der positivo, toda a família deve ser acompanhada.
Juliane Zaché