Nunca se ouviram tantos “companheirosssss” nos discursos políticos. Não é por acaso que o futuro governo petista já foi apelidado de “república da língua presa”. Pudera. Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente eleito, um de seus principais assessores, Antônio Palocci, e dois expressivos parlamentares do PT, o senador José Eduardo Dutra e o deputado federal eleito Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, falam com aquele inconfundível acento de “s”, com a língua entre os dentes. A coincidência da reunião de tanta gente com língua presa participando do governo federal despertou a atenção para essa alteração da fala.

A língua presa é caracterizada pela pronúncia dos sons de “s” e de “z” com a língua entre os dentes, o chamado ceceio. Distorções dos
fonemas “r” e “l” também podem ser efeitos do problema. O fenômeno ocorre porque o freio lingual (aquele filete que fica abaixo da língua)
é curto, não deixando que ela se mova para a articulação de todos
os sons. O que acontece, então, é que as pessoas criam
compensações para os sons que não conseguem fazer.

Apesar disso, nem sempre os chiados e as trocas
na fala significam que o freio é curto. Segundo a fonoaudióloga Mariangela Bitar, as alterações
que não são derivadas do problema físico têm
origens diversas. “Deglutição errada, respiração
pela boca, maus hábitos orais, como chupar dedo
ou chupetas com bico inadequado, ou mamar
em mamadeira com furo muito grande são os principais vilões causam distúrbios na fala”,
explica. Ou seja, são distorções provocadas por hábitos e manias que acabam alterando a fala.

De qualquer forma, todos os problemas são tratados com sessões de fonoaudiologia. Se a causa for o freio curto, pode ser necessária uma pequena cirurgia, apelidada pelos médicos de “pique no freio”. A intervenção solta a língua, literalmente. “Quanto antes for detectada a língua presa, melhor.

A cirurgia é muito simples e pode ser feita em crianças pequenas que nem começaram a falar. Dessa forma, elas não criarão as compensações na fala”, explica Patrícia Santoro, otorrinolaringologista do Hospital das Clínicas de São Paulo. Pediatras mais atentos são capazes de perceber se o bebê tem a língua presa a partir da observação do choro da criança. Basta o nenê abrir a boca durante o berreiro para que o profissional perceba o problema.

A cirurgia pode ser uma boa opção para muita gente. Afinal, quem tem o freio extremamente curto se sente prejudicado até na hora de beijar – nos casos mais graves, a língua mal sai da boca. Mas quem só percebe a alteração na hora de falar parece não achar ruim. Pelo contrário.

Vicentinho, por exemplo, já teve até oferta para fazer tratamento gratuito, mas não quis. “Esse é meu charme. Tirar por quê?”, brinca. E se alguém ousa utilizar “o charme” como adjetivo pejorativo, ele responde rápido. “Melhor ter a língua presa do que o rabo preso”, diz. O apresentador Marcos Mion também gosta do seu leve ceceio. “É a minha marca, não me incomoda e minhas namoradas sempre gostaram”, conta.

Estranho, porém, são as aulas que o ator Daniel Oliveira tem feito.

Para representar Cazuza no filme sobre o cantor, que será rodado

em 2003, ele recebe lições de ceceio com a fonoaudióloga que

atendia o artista. “Cazuza não tinha língua presa. Era só má

colocação. O Daniel está treinando para imitá-lo e vai bem”,

conta Maryse Malta Muller, fonoaudióloga carioca responsável

pelo falso ceceio de Daniel. Imagina se essa moda pega?