EXOTISMO Obra do espanhol Jose Tapiro y Baro
retratando uma noiva marroquina

Descritor francês André Gide ao autor búlgaro Elias Canetti, passando pelo ícone do movimento beat americano Jack Kerouac, uma legião de escritores de diferentes épocas e procedências foi atraída pelo Marrocos, produzindo obras marcadas por suas experiências nesse país do norte da África. Bem antes deles, no auge do romantismo do século XIX, as vielas labirínticas de suas cidades milenares e a amplidão de seus desertos também seduziram pintores do porte de Eugène Delacroix, um dos que se dedicaram aos exóticos temas orientalistas. Mesmo tendo sido tão retratada, a cultura marroquina é praticamente desconhecida no Brasil – à exceção, claro, da sua culinária e das peças de decoração encontradas em qualquer loja de artigos étnicos. Foi pensando em preencher essa lacuna que o Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e o Ministério da Cultura do Marrocos organizaram a mostra Marrocos, em cartaz em São Paulo até o dia 22 de junho. Garimpados de oito dos mais importantes museus do país e de algumas coleções particulares, a mostra reúne 500 peças, datando da pré-história aos dias de hoje. É, de longe, a maior exposição já feita no Brasil sobre o chamado Extremo Poente, nome do país em árabe.

À frente do projeto está o arqueólogo Abdellah Salih, diretor do patrimônio cultural do Marrocos, que tem se destacado no combate ao tráfico de obras de seu país para o exterior. “A maioria das peças que serão expostas faz parte do que chamamos Tesouros do Marrocos, vindas de museus nacionais, fundações ou mesmo de coleções privadas”, diz Salih. Como tem feito em mostras anteriores, dedicadas a países como a Rússia, o Egito e a China, a curadoria da Faap optou por um panorama da cultura marroquina. Trata-se de uma aposta arriscada, no caso, especialmente diante de uma amostragem tão variada, como explica Salih: “A situação geográfica do Marrocos, num verdadeiro cruzamento de mundos, favoreceu a troca e a influência de civilizações que conheceram o país e daquelas que se desenvolveram ao seu redor.” No primeiro segmento da mostra, por exemplo, chamado “As origens”, estão peças arqueológicas e de uso doméstico datadas do período neolítico e da idade do bronze, como vasos decorados e incisões rupestres. Esse módulo vai até o período muçulmano do século VIII, no qual se destaca um tratado de medicina de 165 páginas, completamente manuscrito. Salih diz que as peças mais raras, contudo, são as cerâmicas do período mauritânio (século IV ao século I a.C.), que estão sendo exibidas pela primeira vez.

Mais exuberante é o bloco dedicado às artes tradicionais, reunindo jóias, bordados, tecelagens, vestimentas e armas. De trajes judeus (uma minoria da população marroquina é formada por esse grupo étnico-religioso) a jóias de ouro maciço, como um broche cravejado de diamantes da região de Fez, esses objetos cotidianos ilustram a variedade cultural do país, para a qual, segundo Salih, concorreram elementos “subsaarianos, judeus, mediterrâneos, árabe-muçulmano oriental e europeu”. De modo geral, as jóias em ouro são provenientes das cidades e as de prata, como as fíbulas tiserhnas (um tipo de alfinete), originam das zonas rurais, no caso, o Vale do Draa. Para melhor visualização dos objetos domésticos, foi reproduzido no local o interior de uma casa marroquina, repleta de tapetes, espelhos e almofadas. Como no caso das jóias, são vários estilos de tapetes, provenientes de diferentes regiões, os mais famosos, de Rabat e Mediuna.

COR LOCAL Dois marroquinos sentados no campo,
tela do pintor romântico Eugène Delacroix

Antes de se chegar ao núcleo da arte marroquina contemporânea, outra incógnita para o público brasileiro, o visitante tem parada obrigatória no segmento da exposição reservado aos chamados “Pintores orientalistas”, tendo à frente o gigante Delacroix. O pintor francês comparece com duas obras, a aquarela Dois marroquinos sentados no campo e a tela Noiva judia em Tânger. Além do francês, aparecem na seleção de 12 obras trabalhos de Eugène Fromentin, Horace Vernet, François Fleury Richard e Jose Tapiro y Baro. A obra desse último, uma aquarela mostrando uma noiva marroquina coberta de jóias ilustra bem o espírito da pintura orientalista, que sob o impulso de evasão do romantismo retratava lugares e tipos exóticos. No século XX, o também francês Henri Matisse retomou esse gênero de pintura, mas praticamente inverteu- lhe o sentido, tirando de seus retratos de odaliscas e casbahs qualquer ranço colonialista. Depois de suas duas viagens ao país nos anos 10, Matisse disse que tinha, enfim, encontrado a “revelação”. Infelizmente, a exposição não traz nenhuma de suas magníficas telas marroquinas. Fica para a próxima.

Antologia de orações sufi do século XIX feita em caligrafia

Astrolábio planisférico do século XIV de latão gravado

Broche do começo do século XX, em ouro e diamantes

Grande sopeira em cerâmica azul, do século XIX