Mesmo as mais simples brincadeiras, aquelas que todo mundo faz com bebês, são estímulos importantes para o desenvolvimento infantil. Enquanto a criança brinca, a mente trabalha, desenvolvendo conexões elaboradas. Brincar é um direito básico para a formação saudável de qualquer cidadão reconhecido pela Organização das Nações Unidas. É isso que defende a International Play Association (IPA), que promoveu este mês a sua XV conferência mundial. A entidade existe há 41 anos e reuniu em São Paulo representantes de vários países para discutir temas como o fortalecimento dos vínculos sociais pelo brincar, a necessidade de espaços públicos de lazer para conter a violência e a importância do lúdico na construção da inteligência. “O brasileiro valoriza muito o trabalho e não vê com bons olhos o ócio. O lazer é assimilado culturalmente como falta de ocupação. Até as crianças são afetadas por isso. Se não estão no inglês, na natação, na aula disso ou aquilo, se sentem culpadas”, aponta Marilena Flores Martins, vice-presidente para a América Latina do IPA e secretária adjunta de Assistência e Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo. “Elas precisam de tempo para brincar, para jogar, não fazer nada, sonhar, conversar consigo mesmas. Só assim se desenvolvem plenamente”, conclui.

E a questão não é aplicada apenas às horas do dolce far niente. O lúdico produz no cérebro uma atividade intensa marcada pelo prazer, o que facilita o aprendizado (leia quadro). Quando a criança brinca, corre ou solta pipa está exercitando a locomoção, a lateralidade e conceitos de espaço e tempo. É nesse contexto que surge a ludopedagogia, prática que leva a brincadeira para a sala de aula. “Antes acreditava-se que a maturação para aprender só vinha aos sete anos. Hoje se sabe que a criança aprende desde a fase pré-natal e sua melhor forma de trabalho é a brincadeira”, explica o professor Celso Antunes. Especialista na área, o educador criou o Projeto 12 dias/12 minutos (fascículo 1 de Na sala de aula, da Editora Vozes), que propõe exercícios para focar uma habilidade por dia. “O tempo certo para andar, falar ou escrever existe, mas, muito antes de esses atos serem executados, eles já estão sendo registrados pelo cérebro. O estímulo à comunicação talvez não antecipe a fala, mas a torna mais rica, mais fluente e criativa”, afirma ele.

Essa visão faz surgir uma nova figura em escolas e centros de recuperação: a do ludoeducador. Não regulamentada no Brasil, a profissão é reconhecida e valorizada em países da Europa. “O Brasil é como a Europa há 20 anos. Na Dinamarca, onde a IPA foi fundada, a ludoeducação existe como qualificação da pedagogia”, explica Andrew Swan, membro da associação na Escócia. Ele enfatiza que atividades lúdicas estimulam todas as habilidades. “A brincadeira não acontece sem a atividade cerebral. Ao aprender a andar de bicicleta, uma criança está também aprendendo a lidar com sucesso e o insucesso”, diz.

O primeiro objetivo dos defensores da diversão pedagógica é mudar
a cabeça de autoridades, pais e professores, que ainda vêem a brincadeira como própria apenas para o recreio. “Os professores acham
a brincadeira maravilhosa, mas não para a aula”, pontua Vania Dohme, autora de livros sobre o tema. O mais recente é Ensinando a criança
a amar a natureza, (Informal Editora). Sua tese de mestrado versou sobre a diferença que faz a atividade lúdica na educação da primeira
a quarta-série do ensino fundamental. “A ludoeducação é a técnica
ideal para se pôr em prática conceitos educacionais os mais prestigiados, como o construtivismo, que defende a aquisição do saber por meio
da participação ativa do aluno. Os conteúdos formais devem ser transmitidos de maneira divertida. Além disso, os jogos estimulam
o desenvolvimento emocional e o relacionamento”, opina ela.

Na Emei Lar Sírio, da rede pública de São Paulo, um curso de capacitação em ludopedagogia tornou mais atraentes as aulas de educação infantil. “Na pré-escola, costumamos lançar mão de muitos recursos coloridos e lúdicos. Mas podemos ver que a aplicação de brincadeiras com objetivos pré-determinados faz a criança assimilar conceitos mais facilmente. A diversão vai muito além da recreação”, conta a professora Carolina Antunes França, 21 anos, que se considera uma ludoeducadora.