05/12/2002 - 10:00
Nos próximos dias, o subprocurador-geral da República Edson Oliveira de Almeida receberá os primeiros documentos para investigar a chamada conexão Nordeste. Trata-se de denúncias formuladas por Alexandre Magero Araújo sobre a existência de uma rede de evasão de divisas e lavagem de dinheiro envolvendo diversos políticos nordestinos. O relato de Araújo foi feito à Procuradoria da República na Paraíba, 11 dias antes do segundo turno das eleições e se tornou público na última edição de ISTOÉ. Os procuradores Antônio Edílio Magalhães Teixeira, Werton Magalhães Costa e Antônio Carlos Pessoa Lins fizeram um trabalho preliminar de investigação e concluíram que o depoimento de Araújo tinha “dados verdadeiros”. Por envolver parlamentares, encaminharam o caso à Procuradoria Geral da República, em Brasília, como determina a legislação. Na terça-feira 26, o procurador-geral, Geraldo Brindeiro, designou Almeida para comandar as apurações. No mesmo dia, foram expedidos 12 ofícios. Um deles, destinado aos procuradores da Paraíba, determina que sejam encaminhadas a Brasília as sinvestigações preliminares.
Entre a papelada que será remetida na próxima semana, está um documento de potencial explosivo. Trata-se de uma ficha que
identificaria a conta número 11.045, no Tempus Private Bank, com
sede na Suíça, em nome da governadora eleita do Rio Grande Norte, Wilma Faria (PSB), ex-prefeita de Natal. O documento, que agora
deverá ser periciado pelo Ministério Público, foi encaminhado aos procuradores paraibanos por Araújo e indica que Wilma teria rendimentos anuais de US$ 500 mil. “É mentirosa a insinuação sobre uma suposta conta no Exterior. Tal assunto foi trazido à tona durante a campanha pelo governador Fernando Freire (PPB), meu adversário. Ele apresentou
a denúncia afirmando de antemão que já investigara, comprovando
que era apenas uma farsa”, diz Wilma. No último debate eleitoral, Freire divulgou a existência da tal conta, cogitou da possibilidade de ser
fruto de armação e propôs a Wilma que fossem juntos à PF exigir
uma investigação. A ex-prefeita nada respondeu e depois recorreu à Justiça para exigir que Freire entregasse os documentos. Em seu depoimento, Araújo também menciona aliados de Freire. Ele afirma que
em 1999 converteu R$ 150 mil em dólares e entregou o dinheiro para
o secretário de Administração do governador, Garibaldi Alves.
Almeida irá receber, ainda, duas declarações de bens assinadas pela governadora eleita. Uma em 1996 e outra em 2000. Os documentos comprovam que no período Wilma adquiriu dois imóveis no Recife. Araújo diz ter trabalhado para ela trocando reais por dólares e transportando o dinheiro entre Recife e Natal de outubro de 1998 a novembro de 1999. Diz também ter feito o pagamento de um flat em Jaboatão dos Guararapes (PE), que Wilma teria adquirido e registrado em nome de uma concunhada chamada Carina. Na semana passada, a ex-prefeita assegurou em entrevista coletiva: “Carina não é minha parente nem do meu ex-marido. Essa Carina não existe.” Na quinta-feira 28, o jornal Diário de Natal localizou e entrevistou Ana Carina da Silva, moradora em Assu. Ela é companheira de Helbert Spencer Batista, irmão adotivo do ex-marido de Wilma. Na entrevista aos repórteres F. Gomes e Hiranildo Marcolino, Carina afirma que chegou a ter contatos com Wilma “em algumas ocasiões”. “Não tenho nada em nome de terceiros”, reage a ex-prefeita. Araújo diz que os trabalhos feitos para ela eram intermediados por seu ex-marido Herbart Spencer Batista e pelo irmão dele, Hericson. “Nunca vi esse Araújo, nunca encontrei com ele e com ele nunca troquei sequer figurinha de álbum”, diz Herbart. O ex-marido de Wilma argumenta ser dono de uma respeitada banca de advocacia e assegura ter uma vida limpa. “Se esse marginal provar o que diz, renuncio ao meu grau de advogado, professor de direito e procurador”, desafia.
Laranja – O subprocurador Almeida também irá receber, na próxima semana, uma série de documentos a respeito do apartamento situado no sétimo andar do edifício Mirante Cabo Branco, em João Pessoa. No depoimento, Araújo diz que o imóvel foi comprado por R$ 227 mil pelo líder do PFL na Câmara, deputado Inocêncio Oliveira (PE) e registrado em nome de um laranja. Os procuradores constataram que o imóvel teria sido comprado à vista e está em nome de Altevi Leal Martin. Com base em documentos obtidos da Receita Federal, eles concluíram que Altevi, um vendedor autonômo, tem rendimentos anuais de cerca de R$ 17 mil. “Não conheço o deputado”, disse Altevi a ISTOÉ. “Para comprar o apartamento, dei uma picape no valor de R$ 30 mil e mais R$ 70 mil que ganhei numa ação trabalhista e financiei o resto.” Os procuradores da Paraíba também irão remeter para Brasília a documentação referente a um apartamento na praia de Manaíra, em João Pessoa, que, segundo Araújo, Inocêncio teria registrado em nome de um laranja. “Isso é absurdo. Não tenho nada fora de Pernambuco, não conheço esse sujeito (Araújo) e quero mesmo que tudo seja investigado até o fim”, reclama Inocêncio. “Quero Justiça.”
No Ceará, as declarações de Araújo acabaram apimentando uma CPI que investiga o envolvimento do prefeito de Fortaleza, Juracy Magalhães (PMDB), e seu genro, o deputado estadual Sérgio Benevides (PMDB), no desvio de recursos destinados à merenda escolar. Na semana passada, o relator da CPI, vereador Heitor Ferro, pediu o impeachment do prefeito. Ele avalia que o dinheiro desviado da merenda pode ter caído na conexão Nordeste para ser transformado em dólar. No depoimento dado à Procuradoria, Araújo revela ter recebido reais de Juracy para transformar em dólares e lembrou que em certa ocasião o prefeito lhe pediu como brinde uma caneta que identifica dólares falsos.
Contas – Ainda na documentação que será remetida da Paraíba, Almeida receberá a movimentação bancária e as declarações de renda de Araújo, bem como a cópia de processo do Banco Central relatando as irregularidades da Anacor Câmbio e Turismo, empresa para a qual Araújo diz que prestava serviços e, segundo ele, operava todo o esquema da conexão Nordeste. No depoimento, Araújo menciona a existência de três contas no Exterior que seriam do grupo do governador eleito da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB). Todos são unânimes em dizer que não conhecem Araújo e as informações dadas por ele são mentirosas. Na semana passada, Cássio esteve na Procuradoria Geral e pediu que a investigação fosse aprofundada. Mais do que isso, o governador eleito, bem como o seu pai, deputado Ronaldo Cunha Lima, o ex-ministro Fernando Catão e seu primo Bertrand Cunha Lima, disponibilizaram suas contas bancárias e solicitaram proteção a Araújo.
“Queremos que ele seja preservado para que as investigações cheguem até o fim e assim poderemos descobrir quem está por trás dessa armação”, diz Cássio. Terminada a reunião com Brindeiro, o governador eleito passou a exibir uma declaração assinada pelos três procuradores da Paraíba dizendo que nada do que fora denunciado contra ele ou seu grupo estaria comprovado. “Cumprimos nosso dever. Investigamos o que era possível para ver se havia indícios de veracidade no depoimento. Como o caso envolve pessoas com foro privilegiado, precisamos encaminhá-lo à Procuradoria Geral”, diz o procurador Antônio Carlos Pessoa Lins. “É preciso checar as contas no Exterior e investigar os fatos relativos àqueles que têm foro especial.” O problema é saber se Brindeiro irá permitir que as investigações cheguem ao fim. Assessores do clã Cunha Lima revelaram que, na reunião, o procurador-geral chegou a sugerir um atalho jurídico para engavetar o caso. Disse que a Procuradoria da República na Paraíba não poderia ter colhido o depoimento de Araújo sem a presença da Polícia Federal e isso pode possibilitar, no futuro, um trancamento do inquérito. Wilma Faria também esteve com Brindeiro na semana passada e, segundo seus assessores, o procurador-geral disse que as denúncias eram inconsistentes e as investigações nem sequer teriam andamento. Almeida, por enquanto, não deu mostras de estar disposto a seguir o mapa do engavetamento.
Antecedentes – O subprocurador Almeida também quer levantar os antecedentes do denunciante. Araújo declarou que foi preso por 17
vezes e participou de assaltos a bancos. Disse que conseguia se livrar
da prisão por causa do envolvimento de policiais federais nos esquemas por ele relatados. Na documentação que receberá, Almeida irá
verificar que as denúncias de Araújo não vêm de hoje.
ISTOÉ teve acesso a outros dois depoimentos prestados por ele
em 24 de novembro de 2000, em Fortaleza. Na ocasião, ele já
revelava com riqueza de detalhes o braço pernambucano na conexão Nordeste. Descreve dentre outras coisas, reuniões onde eram
discutidas fórmulas para elevar os valores dos precatórios do Estado,
a exemplo do que estava sendo feito em São Paulo. Araújo já citava
a participação dos deputados Eduardo Campos (PSB-PE) e Inocêncio Oliveira e do senador Carlos Wilson (PTB-PE). No mesmo dia, ainda
em Fortaleza, ele prestou outro depoimento para os mesmos delegados, citando a participação de policiais federais no esquema. Na quarta-feira 20, Araújo voltou a depor nesse inquérito e repetiu ao delegado
Geraldo Pereira, que investiga possíveis extorsões de federais
contra Araújo, todas as acusações feitas anteriormente.