Verdadeira metralhadora de palavras contra o PT, o senador Arthur Virgílio Neto, líder do PSDB no Senado, agora está irritado com sua própria legenda e com os aliados do PFL. “O partido não está todo retesado, não vi as forças todas se mexendo por nosso candidato e tem gente tentando salvar a própria pele”, diz ele, analisando o momento atual da candidatura tucana de Geraldo Alckmin à Presidência. Alckmin perde pontos a cada pesquisa divulgada e até mesmo em São Paulo, Estado que governou nos últimos anos, já foi ultrapassado pelo presidente Lula, segundo o Ibope. Virgílio acha que uma das razões do mau desempenho foi a atitude dúbia do candidato na crise do PCC em São Paulo. “Não gostei da falta de calor de Alckmin no apoio ao governador Cláudio Lembo; não gostei da ausência do José Serra nem do oportunismo do presidente Lula. Não gostei da atitude de ninguém. E o eleitorado também não gostou.” Aos 60 anos, diplomata de carreira, faixa preta de jiu-jítsu, maratonista, ex-ministro de Fernando Henrique, Virgílio decidiu trocar os ringues federais por uma campanha a governador do Amazonas. Na seguinte entrevista, concedida na terça-feira 6, ele mostrou, numa imagem forte, que já começa a admitir a reeleição do presidente Lula. “Varsóvia foi destruída duas vezes e a Polônia sobreviveu”, conforma-se.

ISTOÉ – Por que Alckmin não decola?
Arthur Virgílio Neto

O candidato Alckmin não tem carisma. Isso não é uma crítica, apenas uma constatação. Bill Clinton é carismático e Lula também. Portanto, Alckmin depende que as pessoas amadureçam o conceito sobre ele, que conheçam suas qualidades. Ele vai ser fruto de uma boa campanha de rádio e tevê.

ISTOÉ – O PSDB acaba de promover inserções sobre o Alckmin na tevê e, em vez de crescer, ele caiu até mesmo em São Paulo.
Arthur Virgílio Neto

Ele oscila de 18% a 23%. Se caiu, foi na margem de erro. O que há, sem dúvida, são percalços. É preciso reconhecer. Houve o episódio de São Paulo, da rebelião do PCC. E, ali, para ser bem honesto, eu não gostei da atitude de ninguém. Eu não gostei da falta de calor de Alckmin no apoio ao governador Cláudio Lembo. Eu não gostei da ausência de José Serra. Eu não gostei do oportunismo do meu amigo Aloizio Mercadante. E não gostei da covardia do presidente Lula. O eleitor também não gostou.

ISTOÉ – Alckmin se recolheu para que não sobrasse para ele?
Arthur Virgílio Neto

É. Ele deveria ter colocado o peito de fora e ir para junto do governador e dar solidariedade. Falar que o presidente está sendo covarde, dizendo que não tem nada com isso quando não fecha as fronteiras do Brasil para as drogas, para as armas. Aí, é uma questão de estilo. Eu pecaria por excesso. Nunca por omissão.

ISTOÉ – Um aspecto que chama a atenção na campanha de Alckmin é a forma como estão se tornando públicas as divergências. Parece que a bagunça generalizou-se.
Arthur Virgílio Neto

Não concordei quando o deputado Alberto Goldman criticou abertamente o governador de Minas, Aécio Neves. Entendo que críticas a gente faz para dentro. Essas brigas internas são deploráveis. Eu compreendo que uma campanha que não arranca na frente tende a infundir menos segurança em certos companheiros. Mas os companheiros têm de compreender que, justamente por não ter largado na frente, e era previsível que largasse atrás, aí é que se tem de remar com disciplina, com constância, com coragem. Notinhas plantadas em jornal, isso não engrandece. Qual o objetivo? Fazer um exercício de pequenez mútua? Eu planto uma nota contra o PFL, o PFL planta uma nota contra mim? Visa a quê?

ISTOÉ – Serra e Aécio estariam apostando na derrota de Alckmin com o olho na sucessão presidencial de 2010?
Arthur Virgílio Neto

Sinceramente, eu gostaria muito de não acreditar nisso. Mas, se alguém pensa nisso, pode ser o pior dos mundos. Primeiro, um segundo governo Lula pode não ser um desastre. Segundo, se for um desastre, e eu acho que será, pelo amor de Deus! E, terceiro, herdar um desastre? Significa dizer que, depois, o outro volta. Deploro qualquer expectativa com relação a 2010. Temos que jogar com 2006. Se nós não dermos a demonstração clara, cabal, de que somos capazes da unidade e da abnegação, vamos passar a crença de que não somos o melhor veículo para derrotar Lula. Aí, eu não sei se tem 2010. Eu não sei se depois não vem uma condenação pesada. Para ter 2010, tem de ter 2006.

ISTOÉ – As pesquisas qualitativas apontam o sentimento de que Alckmin furou a fila. A vez era de Serra. O sr. concorda?
Arthur Virgílio Neto

Serra deveria ser o candidato por uma razão simples: pela questão dos números. Era quem parecia ter mais chances de ganhar. Mas não foi lançado. Então, agora o nosso dever é apoiar Alckmin.

ISTOÉ – Serra compreendeu isso?
Arthur Virgílio Neto

O dever de Serra, o meu dever, o dever de todos é apoiar Alckmin da maneira mais apaixonada e honrosa. Se entrarmos no jogo de cada um tentar salvar a própria pele, terminaremos não salvando a pele de ninguém e deixando que o PT continue escalpelando o País.

ISTOÉ – Isso está acontecendo?
Arthur Virgílio Neto

 Ainda não vi as forças todas se mexendo. Ainda não vi o partido todo retesado. A campanha não encontrou seu ponto máximo de entrosamento.

ISTOÉ – E vai encontrar esse entrosamento com o prefeito do Rio, Cesar Maia, valendo-se da internet para disseminar críticas à campanha?
Arthur Virgílio Neto

O caráter dele é polêmico, mas Cesar Maia é um analista político agudo. Espero que saiba separar seus interesses locais da política nacional.

ISTOÉ – Por que o Alckmin escanteou o sr. do comando da campanha?
Arthur Virgílio Neto

Sou candidato a governador por necessidade local minha. As pessoas que votam em mim não me perdoariam se eu não fosse candidato a governador desta vez. Talvez, por conta da minha experiência, eu fosse mais importante na campanha nacional, ajudando na articulação política, mas, se eu perco minha força no Amazonas, não terei mais vida nacional, só sobrevida.

ISTOÉ – Se Lula ganhar, ele terá condições de fazer um governo melhor do que o primeiro?
Arthur Virgílio Neto

A reeleição não será boa para Lula nem para sua família. Serão dias tormentosos, de total falta de governabilidade. O PT disputa com chances apenas quatro ou cinco cargos dos 54 cargos majoritários em jogo, de governador e senador. Não me diga que Lula vai reconstruir sua aliança com os mesmos partidos num contexto diferente do que propiciou o mensalão. Ele não tem um eixo de governabilidade. Não uniu o PMDB. O PMDB vai de novo dividido. Parte vai subir no palanque do Lula. Parte não vai subir em palanque nenhum. Parte vai subir no palanque do Alckmin. Lula é como aquele cidadão que no dia 29 de dezembro deve um dinheiro a um cobrador. Ele até pode ter a ilusão de que com o fim do ano acaba tudo. Mas no dia 2 de janeiro o cobrador estará na porta dele. Os processos contra o governo estão andando e vão estourar mais à frente. O que ele vai dizer? Não pode mais dizer que pegou uma herança maldita. A herança maldita que houver foi ele mesmo quem deixou. O presidente Lula não oferece um bom futuro para o País.

ISTOÉ – O sr. se arrepende de não ter aderido à idéia do impeachment há um ano, em vez de ter defendido a estratégia de deixar o governo Lula sangrar?
Arthur Virgílio Neto

Não. Razões jurídicas havia. Mas não havia razão política. Não havia um clima de desorganização política no País. Nem havia o clamor popular. Nós não incitamos as massas a fazer o clamor. Não nos portamos como o PT se portaria. O tripé só tinha um pé funcionando. E eu prefiro isso. Como é que eu ia propor a saída de um presidente para dar a impressão aos investidores de que de 12 em 12 anos há um impeachment do presidente? O que eu queria era “descucarachar” o Brasil. Não me arrependo.

ISTOÉ – A oposição ao governo Lula é incompetente? O PT era mais competente na oposição do que vocês?
Arthur Virgílio Neto

O PT era mais mal-intencionado. Mas eu, realmente, me questiono se em alguns momentos nós não fomos incompetentes. Não no caso do impeachment. Ali, jogamos pensando no País, de maneira madura. Mas somos incompetentes quando deixamos a fogueira das vaidades tomar conta. Quando deixamos as questões pessoais, as questiúnculas tomarem conta do quadro. Quando nós vemos esse jogo de desmerecimento, um desmerece o outro. Aí, eu acho que nós somos incompetentes. Vá botar na cabeça de um camarada que gosta do Lula, que se acha parecido com ele, que o Lula é o homem mais perigoso do mundo, que o seu governo é corrupto, se nós preferimos ficar em tiroteio para cá e para acolá. Onde já se viu você, cercado em alto-mar pelos tubarões, começar uma discussão com a sua mulher? Você tem que encontrar a melhor tática para se livrar do tubarão

ISTOÉ – E quanto às outras alternativas postas na disputa eleitoral? Como o sr. as avalia?
Arthur Virgílio Neto

Eu tenho antigos companheiros no PMDB e me espanto como um partido com aquele tamanho não aspira ao poder. O PMDB perde uma belíssima chance de ter um candidato que resgataria a história do partido. Pedro Simon é a história do partido. Morreu Tancredo Neves, morreu Ulysses Guimarães, e Simon ficou como a história viva do partido, com 76 anos e esbanjando saúde. Heloísa Helena entusiasma muito os partidários dela no PSOL. E ela atinge uma parcela de desiludidos. A senadora terá uma votação bonita, expressiva. Quanto a Cristovam Buarque e o PDT, creio que estaremos unidos no segundo turno.

ISTOÉ – O sr. tem vergonha de fazer parte desse Congresso?
Arthur Virgílio Neto

Vergonha, não, mas me sinto irritado. É uma notícia ruim atrás da outra. Estão se esmerando nisso. É verdade que tem o governo por trás. No caso dos sanguessugas, por exemplo, está lá o Ministério da Saúde. Mas essa história é um requinte da roubalheira. O roubo de dinheiro público é lamentável e, lamentavelmente, não é uma novidade no País. Mas é um requinte. A roubalheira agora é em cima de doentes. Pegar uma ambulância e não entregar. Eles estão passando todos os limites

ISTOÉ – O sr. já foi distingüido nas ruas com coisas do tipo: Olha lá um político ladrão?
Arthur Virgílio Neto

Eu sou muito visível, as pessoas sabem o que eu penso. Então elas me cobram uma atitude do tipo “não deixa virar pizza”. Eu lamento muito é pela maioria de parlamentares honrados que não são visíveis. Aquele que faz um belíssimo trabalho nas comissões. Um sujeito correto, que presta conta dos seus atos. Esse tem que tirar o broche na hora de viajar. E essas figuras mais notórias que se envolveram nesses escândalos, que não posso imaginar que possam trafegar normalmente. José Dirceu, por exemplo. Toda vez que ele entra num avião, deve ser uma emoção tipo, assim, de recruta americano estreando no Vietnã.

ISTOÉ – O sr. já está conformado com a reeleição do presidente Lula?
Arthur Virgílio Neto

Confio nas chances de Alckmin, confio no história brasileira. Se a história quiser dar uma guinada, Alckmin preenche essa possibilidade. Mas, se quiser, por quaisquer desvãos, se testar mais, eu diria que dramas maiores outros países já viveram. No século XX, por duas vezes Varsóvia foi destruída e a Polônia se reergueu. Não sei se o presidente Lula tem governabilidade para mais quatro anos. Eu digo é que, se o presidente Lula levar o Brasil para um drama institucional, esse drama não será pior que a destruição de Varsóvia. Quanto a nós, se isso ocorrer, vamos continuar na vigilância, cumprindo o nosso papel de oposição.