05/12/2002 - 10:00
Cercado por policiais nervosos e populares que pedem seu linchamento, “Sérgio” aponta o revólver para a cabeça de um dos reféns. “O bagulho é sério, não é filme de ação não!”, avisa. Infelizmente o bagulho, aliás a cena, era real mesmo. Ainda estão vivas na memória de todos as imagens do sequestro do ônibus Central do Brasil–Favela da Rocinha, ocorrido em frente ao Jardim Botânico carioca no dia 12 de junho de 2000 e que foi exibido ao vivo pela televisão – a capa de ISTOÉ sobre o assunto recebeu o Prêmio Esso daquele ano na categoria Criação Gráfica. O trágico episódio agora ganha as telas em um ótimo documentário, Ônibus 174, de José Padilha, em cartaz em São Paulo na sexta-feira 6.
Não custa lembrar que o tumulto resultou em duas mortes – da professora Geisa Firmo Gonçalves, 20 anos, e de “Sérgio”, ou melhor, Sandro do Nascimento, 21, o sequestrador, asfixiado dentro da viatura que o transportava preso. Contando apenas com cenas cedidas pelas televisões e depoimentos de pessoas envolvidas direta ou indiretamente no acontecimento, o filme ultrapassa o mero registro da violência urbana.
O que se assiste é um perfil das relações sociais no País, um
retrato ao mesmo tempo brutal e espetacular. Através do relato
de outros reféns e das imagens exibidas, fica-se sabendo que Sandro encenou mortes dentro do ônibus, liberou prisioneiros, citou filmes,
fez pedidos disparatados, evidenciando falta de planejamento.
Segundo o sociólogo Luiz Eduardo Soares, integrante da equipe
de transição do governo Lula, Sandro, conhecido como “Mancha”,
queria ser visto como indivíduo e não nivelado pelo preconceito. Readquiriu a invisibilidade dentro do camburão da polícia.