O desembarque de torcedores brasileiros
na Alemanha é muito mais do que a
simples chegada de uma horda de
estrangeiros para incentivar sua seleção. Entre curiosos, surpresos e alegres, os alemães testemunham uma invasão cultural e de comportamento em dimensões jamais registradas na história das Copas. A exemplo do ocorrido na fase de preparação, na cidade suíça de Weggis, os moradores de várias cidades importantes deste país marcado pela organização e sisudez começam a se adaptar aos ritmos, gritos e festas intermináveis dos visitantes fantasiados de verde e amarelo.

A pequena Königstein, distante 20 quilômetros de Frankfurt, é o exemplo maior dessa tentativa de interação. A tranqüilidade da estância mineral de 16 mil habitantes, dona da segunda renda per capita do país, foi aniquilada no domingo 4 com a chegada dos craques da equipe de Parreira. Eles treinarão por lá durante a primeira fase. O ritmo da refinada Königstein, agora, é marcado pelo canto da torcida, por sessões de capoeira, doses de caipirinha e cachaça e pelo rebolado das passistas, embalado na batida dos pagodeiros. Os alemães esperam a visita de cinco mil brasileiros no período do Mundial. Os pacotes específicos para a Copa custaram entre R$ 10 mil e R$ 23 mil.

Talvez nem fosse preciso, mas os moradores de Königstein fazem o possível para deixar os visitantes à vontade. E, quando podem, caem na farra, porque ninguém é de ferro. O prefeito da cidade, Leonhard Helm, treinou 450 profissionais e voluntários para conhecer sucessos da música popular brasileira e falar palavras, frases e expressões em português. Entre elas, “obrigado”, “Ronaldinho Gaúcho é craque”, “o Brasil quer o hexa” e “Königstein saúda todos os brasileiros”. Alguns deles aprenderam a sambar no pé. Uma amostra da eficiência do programa foi dada logo na chegada da Seleção ao luxuoso Hotel Kempinski. Alinhados em duas filas na porta principal, os funcionários gritavam: “Ah, eu tô maluco!, Ah, eu tô maluco”. A entrada do Kempinski foi isolada, mas isso não impediu alguns alemães locais de furar o cerco e bater uma bolinha em frente ao hotel com a camisa canarinho.

Nos dias seguintes ao desembarque, percorrer de carro os dois quilômetros
da entrada da cidade ao hotel consumia pelo menos 20 minutos. A decoração
verde-amarela e as peças do uniforme da Seleção dominam ruas e vitrines. Em
uma das lojas pode-se ler, em alemão e em português, uma das máximas
mais populares do país do futebol: Deus é brasileiro. Alguns bares e restaurantes – eles fecham no máximo às dez da noite – escrevem “caipirinha” e “cachaça”
nos quadros do cardápio diário.

O estilo brasileiro não sacode apenas a pacata Königstein. Dias atrás, um percussionista e três cantoras, todos de Santo Amaro da Purificação, na Bahia, agitaram o Portão de Brandenburgo, em Berlim, com uma bela sessão de samba-de-roda. Vestidos a caráter, fizeram a festa dos alemães com suas máquinas fotográficas. Faziam parte da Copa da Cultura, maratona de encontros e apresentações organizada pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil. “Os alemães não sabem a nossa língua, mas não se apertam. A gente toca e ouve a turma cantando: ‘Brogojô, brogojô, brogojô’”, tentou explicar uma delas, Nicinha Luz. O percussionista Dadá, da banda Furiosa, formada por brasileiros radicados em Berlim, era outra estrela entre os convidados. Dividia-se entre os batuques e a coordenação do espaço mais concorrido da festa: a barraca de caipirinha. “Os alemães não pedem aquele chorinho no final e, por isso, economizo na cachaça”, comemorou Dadá. Na terça-feira 6, nos arredores de Bonn, ao lado do campo onde trabalhavam os jogadores japoneses, treinados pelo brasileiro Zico, a empolgação de duas dançarinas e de quatro pagodeiros brasileiros do grupo Hgalera levou uma funcionária da delegação a sair do centro de treinamento para pedir o fim da farra. “Por favor, parem”, disse ela com firmeza. A onda brasileira invadiu a Alemanha. E, para a felicidade dos contentes ou o desespero dos contrariados, a Copa está apenas começando.