14/06/2006 - 10:00
Uma cerimônia de pouco mais de 20 minutos, mas com momentos emocionantes, foi o pontapé inicial da 18ª Copa do Mundo, concebida para ser o maior evento esportivo da história. Uma hora e meia antes da partida em que Alemanha derrotou a Costa Rica por 4 a 2, o Allianz Arena de Munique recebeu um contingente de 155 craques do passado, campeões do mundo. Desfilaram nomes como Pelé – ovacionado, como sempre –, Maradona, o inglês Bobby Charlton e, evidentemente, o anfitrião da festa, Franz Beckenbauer. Cada delegação entrava no campo exibindo uma placa com o ano da conquista mundial. As cinco tabuletas brasileiras, uma para cada estrela canarinho, levaram as 66 mil pessoas ao delírio. Em um canto do estádio, o ex-craque Paulo Roberto Falcão estava emocionado: “Joguei uma Copa, de 1982, e gostaria de estar entre eles, mas infelizmente só há lugar para os campeões”, admitiu a ISTOÉ. A saída dos veteranos de cena deflagrou um outro momento especial: a platéia pegou bandeiras de cor azul e vermelha, colocadas pelo Comitê Organizador em todos os assentos, e as agitaram simultaneamente. O efeito das cores, misturado com o canto das torcidas, produziu uma despedida à altura do talento dos gigantes do passado que, comovidos, deixavam o gramado.
Foi a senha para que os profissionais contratados pela Fifa dessem seu teutônico show de eficiência. Em apenas meia hora, o que era o palco da festa rapidamente se transformou no gramado pronto para o jogo de estréia. A imensa cobertura de plástico vermelho que protegia o piso foi divida em pedaços, dobrada e rebocada por carros com uma velocidade impressionante. O Allianz Arena, o mais moderno estádio do mundo na atualidade, estava pronto para a partida inicial uma hora antes do horário. Da chegada do primeiro torcedor à saída do último funcionário, não houve brigas, não houve confusão. Nas arquibancadas vazias, jovens recolhiam copos de refrigerante e cerveja deixados no chão. Há um motivo para isso: além da bebida, os bares cobram um euro por cada embalagem, com a promessa de devolver o dinheiro mediante a devolução. Os que não quiseram resgatar a caução fizeram a alegria dessa turma persistente.
Aos 12 minutos do primeiro tempo, quando Paulo Wanchope empatou o jogo para a Costa Rica, para alegria dos três mil costa-riquenhos presentes e barulhentos, deu-se a primeira polêmica do Mundial. Ao contrário das outras Copas, a Fifa desta vez permitiu o funcionamento dos telões nos estádios durante os jogos e a repetição dos gols. O lance de Wanchope, ao aparecer nas telas, produziu uma vaia estrondosa da torcida alemã, que viu impedimento na jogada. O juiz, não. Mas, como não existe Mundial sem gol irregular, é quase certo que haverá confusão pela frente. Nada que ofusque, no entanto, o espetacular investimento para colocar de pé um evento estrondoso. A Fifa terá um faturamento de 1,9 bilhão de euros com patrocínio e venda de direitos para a televisão. É um crescimento de 34% em relação à Copa de 2002. Desse total, fato inédito, 120 milhões de euros virão da negociação com novas mídias, como a internet. A supercompetição injetará US$ 12 bilhões na economia alemã, um crescimento do PIB de 0,5%. As cifras, eloqüentes, têm força para ofuscar o futebol, como se a vitória alemã na estréia diante da Costa Rica representasse mero detalhe de algo muito maior. Não é bem assim, porque a bola rolando produz efeitos globais avassaladores. Ela agora está nos pés de Ronaldinho Gaúcho, Wayne Rooney, Thierry Henry, Didier Drogba e alguns outros, mas poucos, muito poucos, aqueles raros que no futuro poderão também desfilar como vencedores.
Os jogadores brasileiros terminaram o treino da tarde mais cedo para acompanhar a partida pela televisão, em um dos salões do Kempinsky Hotel, em Königstein. Foram os derradeiros momentos de tranqüilidade para uma equipe que, na Copa, enfrentará 31 outros times ávidos em evitar o hexa. Mas as Copas, sabemos desde 1958, são uma rara chance de o Brasil virar potência. Rob Hughes, um dos mais reputados comentaristas da Inglaterra, escreveu o seguinte em sua reportagem de apresentação do Mundial no diário The Herald Tribune: “Por que o Brasil? Poderíamos perguntar também por que a bola é redonda e por que respiramos oxigênio.” Para quem acredita que o hexa, se despontar, ajudará o presidente Lula, na já batida ilação da bola com a política, cabe apresentar uma estatística curiosa: mais da metade dos 17 países que ergueram a taça vivia uma república democrática e em apenas duas oportunidades atravessava-se o jugo da ditadura militar (Brasil, 1970, e Argentina, 1978). Dos finalistas de 2006, 60% são democracias consolidadas. É o futebol como retrato do mundo – um futebol globalizado, capaz de produzir cenas como a do goleiro Dida, nascido na Bahia e jogando na Itália, que, ao responder a uma pergunta a respeito de sua tímida participação em 2002, na reserva, disse assim: “Tive uma piccola oportunidade.” Usou “piccola” e não pequena, porque é de um planeta chamado futebol, e não mais da cidade de Irará, onde nasceu. Bem-vindos à primeira Copa na Europa regida pelos novos tempos da tecnologia – ela que fará os lances mais sensacionais entrarem em sua casa.