14/06/2006 - 10:00
Deliciado com pesquisas eleitorais que anunciam sua vitória em primeiro turno, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está rindo à toa. Age, na prática, como se já tivesse o campeonato ganho antes mesmo do início da primeira partida. Reduziu seu expediente para despachos administrativos, leva sua pré-campanha desafiando a legislação e, a todo momento, confronta seus adversários. Foi assim na quarta-feira 7, em pleno Palácio do Planalto, quando reuniu os líderes dos partidos da sua base eleitoral. “Meus adversários ficam me cobrando, dizendo que eu não posso fazer reunião política aqui. O que é que eles querem que eu faça? Que eu saia do meu local de trabalho para trabalhar?”, provocou abrindo os braços e, para variar, um largo sorriso. Toda a felicidade de Lula, porém, está sob ameaça. Na segunda-feira 5, dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entregaram uma notícia-crime ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, com um pedido para o aprofundamento das investigações em relação ao presidente. Noutra frente, o PSDB e o PFL escalaram um time de advogados para vigiar de perto os passos de Lula.
Eles estão convencidos de que o presidente vem abusando do uso da máquina pública na sua campanha. “O presidente debocha das leis e da capacidade de indignação do povo brasileiro”, afirma o senador Jorge Borhausen (PFL-SC). “Ele pensa que o jogo está ganho, mas a verdade é que mal começou.”
E não começou mesmo. Até aqui, Lula tem sido visto pela população como o presidente das frases de efeito e do programa assistencialista Bolsa Família. Ele nem sequer admitiu que é candidato. Quando fizer isso, terá de dizer mais: que é candidato pelo PT dos chefes que foram flagrados em práticas de corrupção e caixa 2; pelo PT que alimentou o valerioduto e, por sua vez, forneceu recursos para o mensalão; pelo PT que sustentou uma política de juros altos e impostos pesados, contrariando seu próprio programa. Neste momento, Lula terá como base um partido esfacelado, com candidatos tíbios nas eleições para os governos estaduais, sem condições políticas de fazer alianças ao centro. Um partido que terá de se contentar em ficar ao lado do extemporâneo PCdoB, do ínfimo PSB e de mais quem? O mesmo PMDB que não pretende ter candidato a presidente é também o que hesita em fechar uma coligação com o PT. Além disso, em termos de exposição no horário político, pela configuração atual o PT de Lula terá cerca de 25% do tempo disponível, a metade do candidato Geraldo Alckmin, do PSDB, caso feche mesmo a coligação com o PFL. Lula verá, então, que ser candidato é muito diferente de ser presidente.
No presente, a notícia-crime que a OAB entregou ao procurador-geral aponta três momentos em que a digital do presidente Lula pode surgir misturada a escândalos. O primeiro está no contrato de R$ 20 milhões da Gamecorp – empresa do fiho do presidente, Fábio Luiz da Silva, o “Lulinha” – com a Telemar. O segundo, no decreto presidencial que teria beneficado o banco BMG no negócio do crédito consignado para os aposentados da Previdência. O terceiro, na “indesculpável e inexplicável” omissão de Lula nos casos do mensalão e da formação do caixa 2 para as campanhas do PT – em particular, a presidencial de 2002. Ao receber a peça produzida pela OAB, o procurador-geral prometeu olhar com lupa os indícios de omissão de Lula sobre os crimes de seus companheiros de partido. Noutra frente, prossegue com força no Ministério Público a apuração do suposto beneficiamento ao BMG no crédito consignado. Ali, os procuradores já começaram a tomar os primeiros depoimentos. Ouviram, por exemplo, o ex-ministro da Previdência Amir Lando, que afirmou que o esquema foi traçado dentro do Palácio do Planalto. Do Congresso, a partir da CPI dos Bingos, avança outro incômodo para o presidente. O presidente do Sebrae, Paulo Okamoto, sai da investigação indiciado por lavagem de dinheiro.
Pela lei, Lula é passível de punição por ter se reunido com o ex-governador
Orestes Quércia no Palácio do Planalto e feito a ele um convite para que o PMDB ingresse em sua chapa presidencial. A legislação eleitoral estabelece que
encontros desse tipo não podem acontecer em “bens imóveis da União”. Os advogados do tucano Alckmin já entraram com seis representações contra Lula
e o PT no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Questionam, entre outros movimentos,
as viagens de Lula pelo País para inauguração de obras públicas e os discursos eleitorais proferidos nesses momentos. Os advogados já sabem que Lula fez
este ano 133 discursos em inaugurações, e neles falou em “eleições” 33 vezes.
A palavra “candidato”, usou três vezes. “Adversários”, 12 vezes. A expressão “meu governo” saiu da boca dele em 34 ocasiões. Até a terça-feira 6, o presidente
já tinha feito 40 viagens pelo País. No mesmo período, no ano passado, Lula
viajara somente 26 vezes a Estados brasileiros. Se isso não é fazer campanha
com a utilização da máquina pública, o que é?