02/04/2008 - 10:00
“Passei 30 anos de minha vida xingando o Delfim e falando mal do FMI. Hoje, tenho bursite de tanto carregar faixas contra o FMI. Quando soube que não somos mais devedores, disse: de infarto eu não morro”
“Eu liguei para ele: ‘Ô Bush, o problema é o seguinte, meu filho, a gente passou 26 anos sem crescer. Agora que a gente tá crescendo, você vem atrapalhar, pô? Resolve a crise. Faz um Proer. Se quiser, o Brasil pode ajudar’”
“É verdade que tenho muita sorte. Tive sorte quando perdi três eleições e tive sorte quando ganhei duas”
Presidente Lula no Recife, no fórum entre empresários brasileiros e mexicanos
Na semana passada, enquanto governistas e oposicionistas se engalfinhavam no Congresso em torno dos gastos com os cartões corporativos, o presidente Lula fazia aquilo que mais gosta: corria o Brasil, subindo em palanques, anunciando as boas novas do seu governo. Lula parecia absolutamente imune às chuvas e trovoadas que vinham de Brasília. Ele saboreava os dados de duas pesquisas que chegaram ao seu conhecimento ao mesmo tempo, e que, somadas, explicam as razões de sua euforia. Pesquisa do Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria apontou que Lula bateu seu próprio recorde de popularidade. Nada menos que 58% da população considera seu governo ótimo ou bom. É o maior índice desde a posse em seu primeiro mandato, em 1º de janeiro de 2003. E as razões para isso estavam em outro dado que Lula também tinha acabado de receber: graças à estabilidade econômica nos últimos dois anos e às políticas sociais, a maior parte da população brasileira (46%) agora é de classe média. Desde 2005, 20 milhões de pessoas deixaram as classes pobres (D e E) e ascenderam à classe média, mesmo que baixa.
A soma desses dois dados estimulou Lula a puxar o seu costumeiro arsenal de frases de efeito. Na quartafeira 26 e na quinta-feira 27, o presidente animou comícios e reuniões com provocações à oposição, ironias ao presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e tiradas sobre os acertos da sua política econômica e social. Sempre com a sua principal aposta para a sucessão de 2010, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a tiracolo, Lula deixou claro que a sua agenda é, desde já, a eleição municipal deste ano, e os efeitos que ela terá para a próxima eleição presidencial. “Podem tirar o cavalinho da chuva, porque nós é que vamos fazer a sucessão para continuar governando este país”, provocou Lula, do alto dos números das pesquisas divulgadas na semana passada.
Ao inaugurar em Olinda a primeira agência no Brasil do Banco Azteca, que trabalha com crédito facilitado para a população de baixa renda, Lula sublinhou como pôde a nova situação que criou para o poder aquisitivo das populações de baixa renda. “O Brasil vive um certo momento mágico”, disse. “Há um conjunto de coisas que caminha na mesma direção de forma sólida e harmônica, de maneira que temos a grande chance de nossa vida de seguir no crescimento”, continuou. “Eu nunca comprei à prestação na minha vida. Sempre tive medo de contrair uma dívida que não podia pagar.” E ironizou o fato de ter sido apresentado a Ricardo Salinas, o presidente do banco mexicano, justamente pelo deputado Delfim Netto, a quem, durante a ditadura militar, Lula tanto criticou. “Passei 30 anos da minha vida xingando o Delfim e falando mal do FMI. Hoje, tenho bursite de tanto carregar faixas contra o FMI. Quando soube que não somos mais devedores, disse: de infarto, eu não morro”, brincou. Mas, entre uma e outra brincadeira, não faltaram recados: “Estou muito otimista com o que vai acontecer com os bancos depois da entrada do Azteca. O crédito a preço baixo é fundamental”, afirmou.
Lula sabe que seu grande trunfo político reside na criação dessa nova classe média que passou a ter acesso a bens e produtos que nunca antes consumiu. É por isso que ele resolveu enveredar por uma estratégia na economia que alguns consideram de certa forma arriscada. Lula desautorizou qualquer medida neste momento que implique diminuição do poder de compra do cidadão. O risco poderá vir se Lula vier a ignorar sinais de contaminação vindos da crise dos Estados Unidos. Mas o presidente parece ciente desses riscos. Demonstra tanta tranqüilidade quanto à situação que se permite brincar com ela, fazendo ironia. Ao participar, ainda em Pernambuco, de um encontro de empresários brasileiros e mexicanos, provocou risadas ao dizer que ligara para Bush para tratar da crise americana: “Aí, eu disse: ‘Ô Bush, meu filho, a gente passou 26 anos sem crescer; agora que a gente está crescendo, você vem atrapalhar, pô? Resolve a crise.’” E ofereceu até uma irônica ajuda: “Quer salvar banco? Eu não sou especialista nisso, mas nós temos especialistas. Faz um Proer. Se quiser, o Brasil pode ajudar. Podemos mandar tecnologia para ele.” Em seguida, farpas para a oposição: “Fizemos um ajuste fiscal porque o Palocci não era um economista clássico da Unicamp ou da GV e eu não era um intelectual de ler livros de economia.”
Apesar de todo o quadro favorável, Lula sabe que transferir votos para Dilma não será tarefa fácil. Seja ela ou outro o candidato governista em 2010, é pela falta de um nome forte na disputa que Lula resolveu ter uma influência sobre as decisões dos partidos que compõem a sua base, especialmente o PT, que nunca tivera antes, com vistas já às eleições municipais deste ano. Nas reuniões que tem tido com dirigentes do PT e dos outros partidos da base, Lula tem repetido como um mantra: “Vamos juntar a base, temos que fazer a maior aliança possível.”