09/08/2002 - 10:00
Enquanto o País vestia a camisa-de-força da ditadura nos anos 60 e 70, um grupo de jovens, criativos e rebeldes, sacudia as arcaicas estruturas sociais. Caetano Veloso injetava ânimo no pesado ambiente com Alegria, alegria, canção-ícone do Festival de Música da Record, ao lado de Domingo no parque, de Gilberto Gil. Essa geração – que inclui ainda Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Tom Zé, Jorge Ben Jor, entre outros –, na juventude mudou os costumes e desafiou a hipocrisia. Agora chega aos 60 anos promovendo mais uma revolução: a da nova terceira idade. Na quarta-feira 7, Caetano entrou na Igreja de Nossa Senhora da Purificação, em Santo Amaro, na Bahia, sua terra natal, ao som da mesma Alegria, alegria. Dessa vez, comemorava os 60 anos em uma emocionante missa encomendada por sua mãe, dona Canô, 94 anos. Um Caetano contrito e bem comportado, roupas sóbrias, corpo esguio, poucas rugas e cabelos começando a embranquecer assistiu à cerimônia em meio aos filhos, irmãos e amigos. Feliz, voltou a sucumbir à velha irreverência no fim das homenagens: “Quero agradecer a minha mãe, meus irmãos, minhas mulheres e namorados.”
Ao mesmo tempo que a cena religiosa remetia a um contexto tradicional, o banco ocupado pela família Veloso quebrava estereótipos. Ao lado da atual mulher, Paula Lavigne, e seus filhos Tom, cinco anos, e Zeca, dez, estava Dedé, a ex, companheira de tempos radicais, que posou com ele nua para a capa do disco Jóia, de 1975. Entre eles, Moreno, 29 anos, filho de Caetano com Dedé, com a namorada, a engenheira Clara Flaksman, 26. Todos na mais perfeita harmonia. O passar dos anos manteve a criação afiada, Caetano e seus contemporâneos da tropicália continuam antenados, mas de alguma forma entraram no esquema. Caetano, por exemplo, tem uma esteira em casa para manter a forma. “Mas prefiro pedalar e fazer abdominais, o que me falta é disciplina”, reconhece.
Mas o cuidado com o corpo é preocupação mais ou menos recente. Essa geração nasceu do excesso. Do excesso de talento, genialidade, questionamento, loucura… Em busca da felicidade e da realização de imberbes desejos, enfrentaram sem medir consequências um regime que teimava amordaçá-los. Mas como calar jovens que se formaram no seio da contestação? Uma geração que bebeu na fonte do neo-realismo italiano, do cinema novo, da beat generation, da bossa nova, da nouvelle vague. Impossível. “A geração que fez a revolução cultural dos anos 60 foi a última leva de artistas e intelectuais genuinamente brilhante e efervescente deste País. Se fosse para definir um rótulo para eles, como já aconteceu com os surrealistas e os existencialistas, diria que formaram a geração gente que faz”, diz o escritor Ignácio de Loyola Brandão, 66 anos, um decano dos anos em transe. Hoje, quem olha para eles tem a certeza de que a ditadura estava mesmo errada. Ao contrário do que os generais botocudos pensavam, aqueles jovens não eram irresponsáveis a serviço da desordem e da bagunça. Sua inquietação e rebeldia, canalizadas para a música, a literatura e o cinema, ecoam até nossos dias. É que, sem a pretensão de permanecerem jovens para sempre, conseguiram se manter atuais sem perder a essência. “Eles souberam se transformar de jovens revolucionários a homens maduros e atualizados, que pensam de acordo com o seu tempo”, completa Loyola. Coincidentemente, o escritor lança na próxima semana seu 24º livro, O anônimo célebre (ed. Global), que fala sobre a fama fugaz desses tempos de reality shows.
Vitalidade – Não é de admirar, portanto, que aos 60 anos, o cantor Gilberto Gil continue arregimentando jovens em seus shows. Em lugar de canções de protesto contra o regime militar, ele prega a paz e o bem-viver. Sua silhueta esguia, esculpida à base de exercícios e dieta macrobiótica, transpira vitalidade. A ponto de, ao vê-lo saltar como um adolescente enquanto entoa baiões de Luiz Gonzaga e reggaes de Bob Marley, qualquer um se esquecer de que ele estaria na chamada terceira idade. Veterano dos palcos, Gil não envelhece. “Dia desses, fiquei namorando a Flora na banheira do hotel nos Alpes de Mont Blanc, como se tivesse 15 e 150 anos ao mesmo tempo. Hoje, vejo-me no espelho e gosto tanto ou mais de mim do que antes”, conta. A companhia da mulher e dos sete filhos é um estímulo para permanecer criando. “Ser artista também ajuda”, lembra ele. “Ser famoso, festejado, bem situado social e economicamente, nos poupa do que se poderia chamar de uma ‘vida dura’”.
Envelhecer bem não é privilégio de quem leva a vida nos palcos. Aos 61 anos, divorciado, pai de três homens criados e já avô, o senador petista Eduardo Matarazzo Suplicy utiliza uma expressão que define bem o seu estado de espírito. “Sinto-me na flor da idade”, exulta. Tamanho entusiasmo tem explicação. Ao chegar à sexta década, o político comemora o lançamento do livro Renda de cidadania, a saída é pela porta, que considera o projeto de sua vida. “Escrevi um livro que reúne os princípios da busca pela justiça, liberdade e igualdade”, diz o político. Além da publicação, orgulha-se também de ter participado das prévias que indicaram Lula como candidato do PT à Presidência. “Pela primeira vez na história brasileira, um partido elegeu por vias democráticas seu candidato. Apesar da derrota, sinto-me muito feliz por ter participado deste processo”, completa Suplicy. Sua reconhecida boa forma – em dezembro conseguiu pela primeira vez na vida correr 15 quilômetros – provoca suspiros em eleitoras de todos os partidos. Entre as fãs do senador estão a escritora Ana Miranda, 50 anos, e a empresária carioca Lígia Azevedo, 61 anos. “Ele tem um belo par de coxas. Afinal, foi lutador de boxe”, derrete-se. A empresária é outro bom exemplo da vitalidade desta geração. Bonita e dona de um spa que leva seu nome, afirma ainda se sentir à vontade para usar saia curta, decote e biquíni. “Minha filha Andréa bem que queria que eu fosse uma velhinha bem comportada, mas não deu. Agora ela tem 39 anos e está grávida da primeira filha. Não é o máximo?” Adepta da psicanálise, da ginástica e, por que não?, das cirurgias plásticas, Lígia está descobrindo a curtição do “ficar”. “Dizer que quem tem mais de 50 anos não namora é balela. Depois de três casamentos, sei bem o que é aproveitar um relacionamento pelo simples prazer de estar com alguém”, afirma.
Namoro – A escritora gaúcha Lia Luft, 63 anos, aplaude a iniciativa de mulheres de sua idade namorarem, se permitirem ser felizes. “Na vida ganhamos tempo, não perdemos. As avós não são mais aquelas velhas corocas que ficavam fazendo crochê. Com seis netos e mais um a caminho, não saio do computador, faço academia e não reclamo da vida”, diz ela. Lia está escrevendo um livro justamente sobre a passagem do tempo e acredita que só deve se aposentar quem tem problemas de saúde ou tem outros planos que não trabalhar. “Mas acho importante continuar ativo, fazendo cursos ou contribuindo com a sociedade de alguma maneira, com um trabalho voluntário, por exemplo.”
Realmente, chegar aos 60 em boa forma e com ótimo astral não é privilégio das estrelas. Que o diga o advogado James Ferraz Alvin, 64 anos. Casado pela terceira vez com a professora de educação física Adriana, 34, ele virou triatleta aos 49. O casal chegou a competir lado a lado nas provas de resistência. Agora, Alvin quer disputar o Iron Man do Havaí, uma espécie de copa do mundo da modalidade. Nesta prova, o atleta tem que nadar 3,8 mil metros, correr uma maratona e pedalar nada menos que 180 quilômetros. “Hoje, sinto-me muito melhor do que quando tinha 40 anos e vivia cheio de dores, com medo de morrer de enfarte. Só percebo que tenho mais de 60 quando vou fazer a barba”, diverte-se. Além do sonho de competir na ilha das ondas grandes, Alvin tem outro estímulo que o faz treinar no mínimo quatro horas por dia. “Tenho um filho de seis anos, o Edward. Eu quero viver muito para lhe dar educação. Ele precisa de um pai forte e ativo até chegar à faculdade”, diz o senhor homem de ferro.
Fôlego – As chances do triatleta Alvin ver o seu Edward chegar à faculdade são enormes. De um século para cá, a expectativa de vida do brasileiro mais que dobrou. Em 1900, vivia-se em média 33 anos. Hoje, chegou-se à marca dos 68 anos. “Vários fatores no Brasil e no mundo contribuem para prolongar a expectativa de vida com qualidade. A redução do esforço físico no trabalho, a melhoria das questões sanitárias, embora ainda deixem muito a desejar, a alimentação mais saudável. O envelhecimento é inexorável. A questão é discutir como adicionar qualidade de vida aos anos que virão”, atesta o psiquiatra carioca Renato Veras, 52 anos, diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade da Uerj. Esse talvez seja um dos maiores problemas para quem atinge a maturidade. O País ainda está longe de oferecer condições dignas para os mais de 14,5 milhões de pessoas que passaram dos 60 anos. Muitos, apesar de se sentirem produtivos, são ignorados pelo mercado de trabalho. Sem dinheiro, não têm condições de pagar plano de saúde, que nessa altura da vida é caríssimo. Sem falar que a aposentadoria, na maioria dos casos, é irrisória. “Uma senhora certa vez me disse que estava com o plug na mão, mas não conseguia achar a tomada. Infelizmente, essa situação se repete em grande parte dos casos. Todos têm o direito de reconstruir sua vida. Só necessitam de oportunidades”, diz a psicóloga Ruth Costa Lopes, 48 anos, professora do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia da PUC-SP.
Virada – Se as chances começam a escassear, a melhor saída pode ser tentar outras frentes. Como fez a atriz Betty Faria, 60 anos. Musa do cinema nacional e da Rede Globo, durante quase 30 anos ela foi estrela das novelas da emissora. Desde 2000 sem atuar em nenhuma produção da casa – por falta de convite, diga-se –, ela decidiu rescindir seu contrato com a empresa e dar um segundo fôlego à sua carreira. Mantém um escritório no Rio e outro em São Paulo, diversificou suas atividades e abraçou apaixonadamente a produção de cinema. “Estou co-produzindo e atuando no filme Bens confiscados, de Carlos Reichenbach. No próximo dia 13 farei uma palestra na Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul e depois vou para o Festival de Cinema de Gramado, onde serei homenageada”, enumera Betty. Ela também se prepara para integrar a Academia Brasileira de Teatro, que será organizada no Rio até o final do ano. Está fora da tevê, sim, mas sem trauma. “Não tenho mais o cheque de fim de mês da tevê Globo, mas será que isso não me puxa para a juventude? Estou cheia de gás e feliz. Sinto-me uma adolescente solta no mundo”, comemora.
Até quem gostaria de estar navegando em águas mais calmas, às vezes se surpreende com a reviravolta da maré. O cantor e compositor Paulinho da Viola, que completará 60 anos em novembro, acreditava que viveria mais tranquilo a esta altura. “Pensava que aos 60 estaria descansando, indo à praia, lendo livros que não tive tempo, ouvindo discos. Imaginava-me dormindo cedo, acordando com os passarinhos. Mas não é nada disso, pelo contrário”, diz o poeta. “Tenho de trabalhar mais, não existe essa de aposentadoria”. O desafio de quem revolucionou o mundo nos anos 60 é continuar produzindo. E muito. Afinal, o que determina a vitalidade de uma pessoa é o fato de ela seguir transformando a realidade a sua volta. “Os projetos terminam quando a vida acaba e muitos deles são até para depois dela”, resume Gilberto Gil.
Colaboraram: Carla Gullo e Mônica Tarantino
Produção: Lívia Mund; Cabelo e maquiagem: J. R. O. Santos; Agradecimentos: Nilta Cabeleireiros, Rogério Figueiredo (sapato e vestido), Fortune Residence e Cinerama