02/04/2008 - 10:00
METAS AMBICIOSAS Miguel Jorge quer aumentar
a taxa de investimento, a participação do País
no comércio mundial e o número de pequenas
e médias empresas exportadoras
Quando assumiu o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), no lugar do empresário Luiz Fernando Furlan, exatamente há um ano, o jornalista e ex-vice-presidente do Banco Santander Miguel Jorge elegeu como prioridade das prioridades a elaboração de uma nova política industrial. E determinou que seus subordinados executassem a tarefa o mais rápido possível. Meses depois, durante almoço com editores de ISTOÉ, Miguel Jorge explicou o motivo de tanta urgência: “Nossa maior preocupação é criar mecanismos que garantam o equilíbrio da oferta”. Agora, não há mais motivo para apreensão. A obra do MDIC está concluída. Até o dia 15 de abril, será anunciado ao País o ambicioso projeto industrial do governo Lula. O plano prevê investimentos de R$ 251,6 bilhões em 24 setores da economia entre 2008 e 2010. O BNDES e o MDIC arcarão com R$ 210,4 bilhões e o restante ficará por conta do setor privado. O objetivo do pacote é aumentar a taxa de investimento da economia de 18,6% para 21% do PIB até 2010. Não existe meta de geração de empregos, mas só no setor de tecnologia de informação estima-se a criação de 100 mil postos de trabalho.
O aumento da taxa de investimento é um dos quatro pilares do projeto. Os outros três são: a expansão dos gastos do setor privado com pesquisa e desenvolvimento (P&D), o crescimento da fatia do Brasil no comércio mundial de 1,15% para 1,25%, com as exportações anuais saltando de US$ 160 bilhões para US$ 208 bilhões até 2010, e a ampliação do número de micro e pequenas empresas exportadoras. Na realidade, esta não é a primeira investida do governo Lula em política industrial. Em março de 2004, foi lançado um plano voltado para bens de capital, software, fármacos e semicondutores. Mas ficou nas boas intenções.
A nova política industrial de Miguel Jorge vem se somar ao Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), tocado pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ao todo, são mais de R$ 700 bilhões. O investimento estatal é grandioso e faz lembrar o II Plano Nacional do Desenvolvimento (II PND), do governo Ernesto Geisel (1974-1979), que fez aposta firme na substituição de importações. Também com o respaldo do BNDES, foram premiados, na época, os empreendimentos nas áreas de bens de capital e insumos básicos. As empresas foram selecionadas a dedo e receberam generosos incentivos fiscais. Algumas delas prosperaram, outras não souberam aproveitar a oportunidade e foram a pique.
GEISEL O general-presidente estimulou a substituição de importações
A comparação com o modelo de Geisel não é gratuita. O governo Lula também aposta na força do Estado como indutor do crescimento econômico. O diretor do departamento de estudos econômicos da Fiesp, Paulo Francini, com vivência nos dois momentos, concorda que há semelhanças históricas em relação às demandas econômicas. “Os dois modelos trabalham com objetivos quantificados de crescimento. Mas a prioridade no passado era a substituição das importações e, agora, é o crescimento das exportações. Importante é que a direção seja o bem”, diz o empresário Francini.
O plano de Miguel Jorge privilegia 24 setores, divididos em três grupos. O primeiro é formado por programas em áreas estratégicas, a saber, saúde, energia, indústria da defesa, tecnologia de informação e comunicação, biotecnologia e nanotecnologia. Devem ser investidos R$ 1,1 bilhão em P&D na área de saúde e R$ 500 milhões em infra-estrutura tecnológica. O segundo grupo é de programas para fortalecer a competitividade e envolve 12 áreas, com destaque para o complexo automotivo, bens de capital, construção civil, indústria naval e de cabotagem, couro e calçados, plásticos e agroindústria. Finalmente, no terceiro grupo, vêm os “programas para consolidar e expandir a liderança” onde o Brasil já tem forte presença internacional. Os investimentos beneficiam os setores aeronáutico, mineração, siderurgia, papel e celulose, petroquímica e carnes.
MONTADORAS TURBINADAS Investimentos
de US$ 12 bilhões para que a indústria
utomobilística aumente sua capacidade
e produção de 2,9 milhões para 5,3 milhões
de veículos em 2013
O objetivo final é colocar o Brasil entre os cinco maiores “players” mundiais. Para Francini, “a sensação dos empresários é positiva, mas seria arriscado fazer uma análise mais acurada sobre o projeto, pois, até o momento, não se conhece sua íntegra, apenas o conteúdo que vazou na imprensa”. O próprio Miguel Jorge, que se encontrava em Nova Délhi, capital da Índia, na semana passada, explicou aos assessores que não considerava prudente fazer comentários breves sobre as notícias que vazaram a respeito do plano. Preferia dar entrevista mais conclusiva ao retornar ao País. Sabe-se, porém, que o projeto traz embutidas pelo menos duas grandes preocupações do ministro do Desenvolvimento. Uma delas refere-se ao pouco caso que o Brasil deu nos últimos anos à navegação de cabotagem. Na visão de Miguel Jorge, a extensa costa brasileira é mal aproveitada em termos de transporte. “Um país com mais de oito mil quilômetros de costa sem transporte marítimo é uma vergonha”, diz. Diante disso, não surpreende que, numa primeira etapa, esteja previsto o investimento de US$ 2,48 bilhões na construção de 26 navios com índice de nacionalização de 65%. Também serão utilizados R$ 6,2 bilhões do Fundo de Marinha Mercante, no financiamento da construção e modernização de embarcações e estaleiros.
Outro setor que mereceu especial carinho do ministro do Desenvolvimento é o complexo automotivo (Miguel Jorge, por sinal, foi vice-presidente corporativo da Autolatina, que uniu Volkswagen e Ford). Além de incentivos fiscais, como a ampliação do prazo de recolhimento do PIS/ COFINS, o governo anuncia investimentos de R$ 1 bilhão em programas de apoio à engenharia automotiva e também a criação de fundos especiais de ações com a chancela da BNDESPar. Pretende-se que a indústria automobilística aumente a capacidade de produção dos 2,9 milhões de veículos, de 2007, para 4 milhões, em 2010, chegando a 5,3 milhões em 2013. Na estimativa do ministro, para chegar lá, as montadoras terão de investir US$ 12 bilhões. Assim, conseguirão aumentar as exportações para 1,080 milhão em cinco anos, ampliando a participação no mercado mundial dos atuais 5,5% para 6,5%. É vital nesse processo convencer as principais montadoras a expandir suas instalações no País, pois o apelo dos concorrentes, como a China e a Índia, é muito forte.
Obviamente, a decisão dos fabricantes de automóveis vai depender dos rumos da economia. E este é o único reparo que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) fez até o momento sobre a nova política industrial. Para técnicos da entidade, muitas das propostas dos empresários foram atendidas e o pacote acerta ao indicar metas concretas e bem quantificadas, mas terá de ser coerente com a política econômica. “O plano fixa um norte, é bem desenhado, porém falta assumir uma estratégia de desenvolvimento de maneira mais firme, como foi feito com o PAC. O investimento em infra-estrutura se sobrepôs aos ditames da política monetária”, afirma o economista Maurício Mendonça, gerente de competitividade industrial da CNI. Em suma, o plano de Miguel Jorge é bem-vindo, mas sua eficácia vai depender – e muito – dos cordéis movidos por Guido Mantega e Henrique Meirelles.
DESLIZE O ministro Mantega pode ter vazado informação do BC
TEM BOI NA LINHA
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, costuma tomar cuidado com o que diz. Sabe que pode influenciar o mercado, levando investidores a tomar decisões erradas. Às vezes, porém, comete deslizes. Foi assim quando anunciou a criação de um imposto para substituir a CPMF e também quando antecipou medidas cambiais que jamais foram postas em prática. Na semana passada, ele deu novo escorregão ao informar que o governo está preocupado com a explosão do consumo e vai tomar medidas que ponham limites ao endividamento das famílias. Vêm aí medidas de corte do crédito, trombetearam os jornais. Uma medida seria a redução do prazo máximo de financiamento de automóveis de 99 meses para 36 meses. A notícia correu o País e assustou até mesmo o presidente Lula. Na segunda-feira 24, durante a reunião da coordenação política, no Planalto, Lula perguntou que história era aquela de frear o consumo e encurtar prestações. O ministro disse que tudo não passou de um mal-entendido. Segundo sua versão, um jornalista perguntou se não estava preocupado com o excessivo aquecimento da demanda e ele teria respondido que, por enquanto, tudo corre bem. Em 2009, porém, poderá haver problemas com o fornecimento de aço para a indústria. O entrevistador quis saber, então, se Mantega não achava que já era hora de reduzir o prazo de financiamento de veículos. O ministro garante que deixou a resposta no ar e que o prazo de 36 meses saiu da cabeça do repórter. Diante da explicação, Lula pediu que Mantega convocasse a imprensa e fizesse um desmentido público. O que o ministro fez, sem esconder o constrangimento. Seus assessores juram que tudo não passou de uma grande confusão. Ela, de fato, ocorreu, mas foi de outra ordem. A Fazenda voltou a bater cabeça com o Banco Central, que está, sim, estudando medidas de contenção do crédito. Pode impor limite ao endividamento através de cartões de crédito e aumentar os custos nas operações de leasing. Ironicamente. o Banco Central não descarta a redução do prazo dos empréstimos. Pelo visto, Mantega deixou vazar uma informação confidencial. O que pega mal para um ministro da Fazenda.