John Anderton, você poderia tomar uma Guinness agora!” A voz que sai de um outdoor da cerveja irlandesa se dirige ao personagem vivido por Tom Cruise no filme Minority report — a nova lei, de Steven Spielberg. A ação se passa em 2054 e o cartaz eletrônico sabe que Anderton é Anderton porque uma câmera faz a leitura da íris de seu olho.
Essa mesma tecnologia que diverte e protege também perturba e questiona os limites da privacidade, a exemplo do que aconteceu no Japão na semana passada. Com rostos pintados com códigos de barra, os japoneses protestaram contra uma medida do governo que criou a identidade eletrônica, um número de 11 dígitos que reúne num banco de dados o nome, o endereço, o sexo e a data de nascimento de cada um dos 126 milhões de japoneses, de presidiários a recém-nascidos. Os manifestantes temem a invasão em nome da segurança, já que o novo registro no futuro vai centralizar as informações administrativas dos cidadãos, desde passaporte e ficha criminal até uma consulta médica. A fragilidade do sistema ficou evidente na quarta-feira 7, quando o registro eletrônico de 2,5 mil moradores de Osaka se extraviou.

No Brasil, a identidade única que apavorou os japoneses foi
aprovada como lei pelo Congresso em 1997, mas não entrou em
vigor até hoje por falta de regulamentação. A data de implantação
do RG que aposentaria os demais documentos pessoais foi prorrogada para 2007. A Constituição brasileira assegura que não há lei obrigando o cidadão a apresentar sua identidade quando abordado na rua, a não ser em caso de ocorrência policial, quando há justificativas claras, como forte indício de delito ou crime.

A abordagem cinematográfica dos limites entre a segurança e a invasão de privacidade é permeada pela exibição de pérolas tecnológicas. No futuro imaginado por Spielberg, a tela de computador é acionada por luvas semelhantes aos mouses atuais, os jornais se atualizam sozinhos e partes do corpo humano, como os olhos e a voz, servem de identidade. “Dá para fazer tudo isso hoje”, afirma Fábio Gandour, gerente de novas tecnologias da IBM Brasil. O sistema de reconhecimento pela íris foi adotado em vários países como reforço de segurança após os atentados de 11 de setembro. Os setores de embarque e controle de imigração nos aeroportos internacionais de Washington, Londres, Frankfurt e Amsterdã foram os primeiros a testar a tecnologia. No Brasil, um condomínio e a central onde fica o banco de dados da Telefonica em São Paulo adotaram o globo ocular como senha de acesso. “A íris é única, como a impressão digital, e funciona mesmo que a pessoa esteja de óculos escuros”, diz o engenheiro Renato Soliman, da LG, fabricante da tecnologia.

No filme, os olhos viram moeda de troca no submundo do crime porque são a saída para escapar à fiscalização do Estado onipresente. A história de Minority report foi adaptada de um conto do americano Philip K. Dick, publicado em 1956 na revista de ficção científica Universo Fantástico. O aparato policial inclui monitor de acrílico transparente com sensores que captam o movimento da luz, em que os personagens interferem no mundo virtual como se fossem maestros, vestindo luvas com extremidades brilhantes. Os jornais que atualizam as manchetes também existem. “Quando o papel eletrônico de lâminas plásticas flexíveis é ligado à internet por uma conexão sem fio, ele renova as notícias automaticamente”, explica Gandour.

O que existe só em sonhos é o aproveitamento das vias urbanas. O herói John Anderton chega em casa como numa cena do desenho animado Os Jetsons, num carro que dispensa o motorista porque sabe o seu destino e levita sobre trilhos, deslizando em paredes verticais até se encaixar como luva na porta de casa, sem manobras radicais.

Colaborou Antônia Márcia Vale

A jabota que anda sobre rodas

Um episódio digno de ficção veio a público na semana passada. Uma jovem jabota de estimação, a fêmea do jabuti, foi vítima de uma bala perdida disparada no Morro do Cantagalo, uma favela da zona sul do Rio de Janeiro. O bicho seria mais um caso a engrossar as estatísticas da violência carioca, não fosse o fato de ter recuperado o movimento das duas patas traseiras à custa de um implante de rodinhas. A veterinária Eliane Jessula usou esparadrapos para prender no casco do animal duas rodas do que antes era um suporte para televisão. A “jabota-móvel” não se intimidou e andou com destreza sobre suas novas patas rolantes. A bala está alojada na pata traseira direita, que ficou paralisada. “Há uma pequena chance de uma futura locomoção sem as rodinhas”, pondera a veterinária. Sua preocupação é que a jabota carrega três ovos no ventre e tudo indica que terá dificuldades para parir. “Ela chegou sangrando muito. A bala parecia ser pequena, mas fez um grande estrago”, conta.

Vivian Lemos