Vinte e um anos depois do atentado à bomba no Riocentro, que matou um sargento e feriu um capitão do Exército quando tentavam sabotar um show em comemoração ao Dia do Trabalho organizado por entidades de esquerda, surge um testemunho que pode revelar um dos segredos mais bem guardados pela cúpula militar: o general Newton Cruz, então chefe da Agência Central do SNI, foi o responsável pelo ato terrorista. A acusação – feita pelo ministro do Exército no governo Collor, general Zenildo Lucena, em depoimento prestado em 1999 ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas – agora sai publicada no livro SNI & Abin lançado quinta-feira 8 em Brasília pela historiadora Priscila Antunes.

Na entrevista à pesquisadora Maria Celina de Araújo, coordenadora do projeto Democracia e Forças Armadas da FGV, o general Zenildo contou que Cruz desejava criar no Brasil uma força policial e moral “espelhada nos moldes da Gestapo”, a polícia secreta de Hitler. De acordo com o depoimento, essa polícia “seria uma forma de controle e chantagem”. O general Newton Cruz chegou a ser investigado, mas sua participação no Riocentro não foi provada. “Segundo o general Zenildo Lucena, esses atentados eram de responsabilidade do general Newton Cruz, chefe da Agência Central do SNI. A opinião do general é a de que Newton Cruz desejava criar uma força policial e moral, espelhada nos moldes da Gestapo”, escreve a historiadora no livro.

Ao saber do conteúdo, Newton Cruz ameaçou processar a FGV. A fundação orientou a autora a publicar uma errata amenizando as declarações do general Zenildo como defesa prévia para se
livrar da ameaça de Cruz. Mas, segundo a professora Maria Celina de Araújo, na entrevista gravada o general Zenildo responsabiliza Newton Cruz pelo Riocentro. O livro também publica outro segredo revelado ao Cpdoc pelo ministro da Marinha do governo Itamar Franco, almirante Ivan Serpa. Segundo ele, em 1993 e 1994 o serviço secreto da Marinha “vasculhou” a vida de parlamentares que tratavam do orçamento da União para descobrir suas vulnerabilidades e quais deles poderiam ser cooptados para defender interesses da Força. No depoimento aos historiadores da FGV, o almirante explica como os agentes vasculhavam a vida dos parlamentares: “Ele (o agente) faz um levantamento da vida
da pessoa, em que não entra a parte pessoal, mas permite a gente saber: bom, agora como é que vamos abordar esse sujeito que tem essa linha de pensamento.”

“Jamais tive conhecimento desse tipo de atuação. Não teria permitido isso”, disse o ex-presidente Itamar Franco. As revelações de Serpa assustaram o presidente do STF. “Esta bisbilhotice é um crime. Discrepa dos parâmetros do Estado democrático de direito”, disse Marco Aurélio Melo. O general Alberto Cardoso, chefe da Abin, disse que o atual serviço de inteligência está totalmente dentro dos preceitos democráticos.