Uma esplêndida coleção de 100 gravuras feitas pelo surrealista espanhol Salvador Dalí (1904-1989) para ilustrar A divina comédia,
de Dante Alighieri, se encontra
em exposição no Museu da
Câmara dos Deputados, em Brasília. O que chama mais a atenção, contudo, é que o conjunto de obras não vem de nenhuma instituição estrangeira, mas do acervo do fazendeiro paulista, radicado em Goiânia, Lover Ibaixe, 66 anos. O dono da coleção poderia ser, ele mesmo, um personagem daliniano, já que os lances envolvendo a aquisição dos trabalhos são tão confusos quanto a imaginação do artista mostrada nas peças.

Ibaixe é o homem das incertezas. Não sabe ao certo quando adquiriu seu pequeno tesouro nem quanto custou e muito menos quanto vale hoje. Suspeita que tudo se passou no ano de 1963, quando ele, já um abastado empreendedor do ramo de transportes de cargas, passava férias na capital espanhola. Lá, no bar do hotel em que se hospedara, conheceu o jornalista espanhol Miguel Utrillo, a quem falou de seu desejo de possuir uma tela de Dalí. Fantástica coincidência: Utrillo era grande amigo do artista. Pelo braço do novo conhecido, fez diversas incursões ao estranho mundo de Dalí e sua mulher Gala. “Casal esquisito aquele. Eram grosseiros com todos e se agrediam o tempo todo”, lembra.

Desde o início, Ibaixe deixou claro seu objetivo. Mas a resposta era sempre negativa. Acostumado a negociar, o fazendeiro descobriu a fascinação de Gala por ouro e mostrou-lhe, como quem não quer nada, uma bela moeda antiga. Acertou em cheio. Gala aceitou trocar por 300 moedas a coleção de gravuras que lhe fora dada poucos anos antes pelo marido. Temendo perder sua nova aquisição, Ibaixe tratou de voltar ao Brasil com as obras em uma sacola barata. Desde então, trancafiou e esqueceu tudo no cofre de um banco.

A coleção só voltou à luz em 1999, em uma pequena mostra em Goiânia. Apesar do inusitado, a procedência das gravuras é atestada pela perita inglesa Juliette Murphy, da Fundação Gala-Dalí, em Figueras, responsável pela administração do legado do artista. Mas existem dúvidas se elas são mesmo “prova do autor”, como são chamados os primeiros trabalhos impressos de uma série. As gravuras trazem a assinatura a lápis de Dalí, mas esta é questionada pela especialista. Segundo ela, tanto a assinatura como as iniciais E.A. – do francês épreuve d’artist (prova do artista) – poderiam ter sido feitas depois. O certo é que a coleção conquista tanto pelas cores como pela técnica fantástica.