26/03/2003 - 10:00
Reunido com todo o Ministério na Granja do Torto, na quarta-feira 19, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ter constatado que o seu primeiro ano de governo vai ser tomado, em boa parte, para administrar a herança deixada pelos oito anos de Fernando Henrique Cardoso e controlar os gastos públicos, com um olho na situação externa, principalmente a guerra entre os EUA e o Iraque. “Em 2004, a transição já estará superada”, afirmou o ministro do Planejamento, Guido Mantega, ao comentar o Plano Plurianual de Investimentos (PPA) para o período 2004-2007. Na opinião do ministro, no próximo ano haverá queda dos juros, do dólar e da inflação, o que garantirá a retomada dos investimentos privados. Mantega fez questão de traçar uma diferença entre as propostas de Lula e as de FHC, chamadas de Avança Brasil: “O nosso plano será exequível. Vamos discuti-lo com a sociedade. Não será um produto de burocratas iluminados.” Para o ministro, o PPA do governo tucano era megalomaníaco, mirabolante e impraticável por prever investimentos de R$ 1,1 trilhão entre 2000 e 2003.
A essência das propostas de Lula retoma a idéia do planejamento estratégico controlado pelo Estado. O governo entende que os grandes projetos de desenvolvimento devem ser induzidos pelo setor público, a exemplo do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek e do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do governo de Ernesto Geisel. “O mercado vai dizer que isso é reestatizante”, ironizou o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (SP). Um resumo do que pretende o novo governo foi feito por Mantega ao dizer que o PPA terá “a cara de Lula”. O plano deve chegar ao Congresso em 29 de agosto, dia em que terá que ser votado. Antes, haverá um processo de discussão com a sociedade, que deve durar quatro meses. A discussão pública vai começar no dia 16 de abril, quando será conhecido o texto-base. Também haverá o lançamento de um portal na internet.
Fome Zero – Na reunião dos ministros no Torto, ficou comprovado que o inferno astral do ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome, José Graziano, está chegando ao fim. Lula demostrou estar satisfeito com os novos rumos do programa Fome Zero depois da saraivada de críticas que atingiram Graziano, principalmente pela falta de ações concretas num projeto que deveria ser a principal bandeira do início do governo. O presidente entregou ao ministro o controle dos R$ 5 bilhões previstos para o Fundo de Combate à Pobreza este ano. Na prática, o poder de Graziano está se estendendo sobre outros ministérios. Ficou com ele também o comando da tarefa de inserir os projetos do Fome Zero no PPA e de coordenar o trabalho de revisão dos cadastros dos programas sociais da Bolsa-Escola e da Caixa Econômica Federal. É a equipe de Graziano que vai decidir também se o governo terá que reeditar, no final do ano, a medida provisória que institui o Bolsa-Renda, programa criado pelo governo FHC para socorrer os moradores de zonas rurais do semi-árido na época da seca. O ministro espera que até lá os municípios tradicionalmente atingidos pelo flagelo tenham montado suas estruturas para entrar no Fome Zero e o auxílio não precise ser enviado. Segundo ele, um dos principais motivos para a demora da distribuição dos benefícios é a falta de participação das prefeituras e governos estaduais, que ainda não criaram os seus Conselhos de Segurança Alimentar.
Ser pobre não é a única condição para os municípios entrarem na lista dos beneficiados, e o governo quer que os prefeitos organizem as comunidades. Outra dificuldade, segundo Graziano, é o custo da infra-estrutura. A central telefônica para receber doações e fornecer informações sobre o Fome Zero custava R$ 40 milhões. Depois de muita negociação com as empresas telefônicas, Graziano conseguiu de graça as instalações de oito centrais espalhadas pelo País e ainda garantiu a implantação de um número único (0800-707-2003). “Entendo as expectativas, mas esse governo já fez mais do que todos os anteriores para garantir a segurança alimentar”, conclui.