Dono de uma loja que só vende vinil e ignora o CD, Durval é o próprio retrato de uma época. Ouve música dos anos 70, usa cabelo comprido e roupas de décadas atrás e só não é tão hippie quanto seu estilo denuncia porque ainda mora com a mãe, Carmita, na casa que é uma extensão da loja anacrônica. Empenhado em tirar parte da carga doméstica das costas da matriarca, insiste para que ela arranje uma empregada que cuide da residência decadente e cheia de quinquilharias. Até aí, Durval Discos (Brasil, 2002), que estréia em São Paulo e Porto Alegre na sexta-feira 28, carrega o tom de comédia apresentando um elenco muito à vontade em tirar humor de situações corriqueiras. O protagonista Ary França faz o típico filho único que ainda não se deu conta de que envelheceu e Etty Frazer desenha uma mãe possessiva com toda a carga de loucura revelada em progressão geométrica. À volta deles, aparece Marisa Orth, engordurada e desbocada no papel da funcionária de uma doçaria vizinha à loja. Também tem participações afetivas arrebanhadas pela diretora Anna Muylaert, que bolou uma das aberturas de filmes mais criativas já vistas no cinema nacional. Assim, pipocam Rita Lee, alucinada atrás do disco “de capa branca com assinatura”, de Caetano Veloso; ou André Abujamra como um pesadão reggae boy interessado em LPs de Bob Marley.

Tudo corre na paz tediosa até aparecer Célia (Letícia Sabatella), a nova empregada que, três dias depois de contratada, foge deixando a filha Kiki, interpretada pela ótima garotinha Isabela Guasco, selecionada entre 100 crianças. A partir deste momento, o filme entra no seu “lado B”, como define a diretora Anna, que com este trabalho conquistou sete Kikito no Festival de Gramado – Cinema Latino e Brasileiro de 2002. Sempre sublinhando sua história com humor, Anna faz da câmera uma cúmplice ao mesmo tempo divertida e cruel, ao focar em detalhes a decadência da diminuta família de classe média baixa, seja a poeira e a gordura impregnadas no ambiente físico, seja a carência da mãe e passividade do filho, desequilibrado entre a insanidade familiar e a realidade do mundo. Do drama-comédia ao thriller trash, no fundo Durval Discos mascara a solidão de seus personagens com situações que, de tão nonsense, provocam risos nervosos.